Até que enfim um jornalista – uma, no caso, a repórter Catia Seabra, da Folha – fez com que o público, sempre o último a saber, tomasse conhecimento de um acerto político que vem rolando maciamente já há algum tempo entre petistas e tucanos: o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos a partir de 2010 e a ampliação dos futuros mandatos para cinco anos.
Entre os principais condutores da operação estão dois baianos, o que decerto facilita as conversas – não por serem baianos, mas por serem do mesmo Estado. Identificados pela repórter, são o governador petista Jaques Wagner e o senador tucano Juthay Júnior. Por quem o governador fala não está tão claro como está no caso do senador, que o mais jejuno dos jornalistas políticos sabe ser unha e carne do paulista José Serra.
Wagner pode não falar por Lula, Lula pode dizer que não está nem aí para a questão, mas ele tem tanto interesse quanto Serra em abolir o sistema instituído há apenas 10 anos. O problema da reeleição – e isso a imprensa ainda falta dizer com todas as letras – não é a regra em si.
É cedo para dizer se, na soma algébrica dos seus defeitos e virtudes, ela mais ajuda ou mais atrapalha a democracia.
A única certeza é que a sua implantação, para entrar em vigor já no pleito de 1998, foi um golpe político para beneficiar o então presidente Fernando Henrique. Perto disso, a compra de votos para a aprovação da respectiva emenda constitucional foi café-pequeno.
Agora, o risco só existiria se, no bojo da mudança, se der ao presidente Lula o direito de concorrer ao que seria um mandato novo sob a nova norma. Um terceiro mandato, com um ano a mais de presente, para todos os efeitos práticos. Mas não há indício de que o presidente esteja nessa, apesar de alguns palpites infelizes em contrário – na base do chute – a que a mídia andou dando corda meses atrás.
E por não haver tal indício é que petistas e tucanos estão abrindo uma sociedade de ajuda mútua para funcionar a partir de 2010, como demonstrou com fatos e aspas a reportagem de Catia Seabra.
Assim: Serra vai pras cabeças na sucessão de Lula. Numa eleição em que o PT entrará com algum candidato sem um décimo que seja do carisma do presidente – isso se não entregar ao PMDB a cabeça da chapa, como se este tivesse um nome de truz -, Serra teria tudo para subir a rampa em 1◦ de janeiro de 2011, para dela descer passados exatos cinco anos, depois de passar a faixa a sua excelência – sim, já adivinharam – Luiz Inácio Lula da Silva.
Claro que falta combinar com os mineiros, como diria o Garrincha. No caso, com o governador Aécio Neves, cuja relativa mocidade dificulta ele ele ser o primeiro da fila presidencial tucana. Mas também para Aécio cinco anos sem reeleição é mais conveniente que o modelo atual. É só fazer as contas.
Aliás, por um acordo tácito, Aécio só abririra mão de bater chapa com Serra na convenção do PSDB em 2010 se até lá o paulista trabalhasse em silêncio – como vem fazendo – para tirar a reeleição de cena.
Do interesse do eleitor, naturalmente, ninguém fala. Por exemplo, o lider do governo no Senado, o pemedebista Romero Jucá, diz que a reeleição cria oligarquias políticas nos estados e municípios. Como se disso nunca se tivesse ouvido falar antes da instituição do direito do eleitor de dizer se quer que o prefeito, ou o governador, ou o presidente, merecem mais um período.
Pior ainda é a idéia de (re)criar mandatos executivos de cinco anos. [Recriar porque Sarney os teve]. Pois ou se estende a mesma prerrogativa aos vereadores, deputados federais e estaduais – aí sim dando uma força à oligarquização dos Legislativos – ou eles continuam com os quatro anos atuais. Por falar nisso, não seria o caso de equiparar aos deles os mandatos dos senadores?
Mas aí, as prefeituras, os Estados e o governo federal serão disputados em eleições solteiras. Da última vez que se fez isso no Brasil deu Collor.
Nem todos os petistas são pelo fim da reeleição. O presidente do partido, Ricardo Berzoini, por exemplo, parece não gostar da idéia. Nem todos os tucanos tampouco estão nessa. O presidente de honra do partido, Fernando Henrique, já soltou os cachorros contra a idéia.
P.S. Acrescentado às 9h00 de 17/4: os jornais desta terça-feira informam que também Berzoini se diz contra a reeleição.
Dos grandes jornais, só a Folha e o Globo tomaram posição sobre o assunto – contra, nos dois casos. Mas, do ângulo do leitor, é preciso mais do que isso.
Primeiro, precisam continuar o bom trabalho da repórter Catia Seabra, mostrando preto no branco que a pretendida alteração da norma eleitoral – assim como em 1997 – não resulta de uma avaliação das alegadas desvantagens do sistema vigente para o interesse nacional, mas de um puro cálculo eleitoreiro, que põe no mesmo lado do campo forças poderosas do PT e do PSDB.
Segundo, precisam debulhar a questão em si. Depois de três ciclos reeletorais, no que o modelo foi bom e no que não foi? Sob o atual sistema, os dois presidentes de turno se deram bem, assim como a maioria dos governadores e prefeitos. Será que já existem elementos para dizer se, tudo somado e à parte quaisquer outros fatores, foi bom também para o povo nas 27 unidades da Federação e nos 5.600 municípios do país?
Em matéria de pauta, o assunto é um mina de ouro.
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