Quem não viu com os próprios olhos os depoimentos de ontem no Conselho de Ética do Senado e leu o que os jornais de hoje dão a respeito, mais o que os seus enviados especiais a Alagoas contam dos negócios do pecuarista Renan Calheiros, pode achar que os dias do presidente do Senado estão contados.
A situação traz à tona o inesquecível título do Estado de Minas, em 1980, sobre a agonia do então presidente iugoslavo: “Morte de Tito é questão de tempo”.
E quem viu com os próprios olhos o desmoronamento do castelo de cartas levantado pela tropa de choque de Renan no Conselho – o tiro pela culatra que foi convocar o advogado Pedro Calmon Filho para concentrar as atenções na vida privada do senador – não precisará nem ler o que a mídia continua a apurar em Murici, o feudo dos Calheiros, para concluir que o homem já era.
Ou, se não for, graças aos seus bons amigos no Conselho, a Casa cai.
O Senado, para a opinião pública, passará a valer menos do que o esterco dos bois que o seu malfadado presidente diz ter vendido para provar que não precisou da grana da empreiteira Mendes Júnior para pagar pensão à ex-amante com quem tem uma filha.
Em relação ao Conselho, os jornais não fizeram mais do que escancarar a cínica cumplicidade da cupinchada amiga de Renan, como o ex-tucano Almeida Lima, de Sergipe, hoje seu companheiro de PMDB. Em dado momento, ele bradou teatralmente – sem ficar vermelho – que nessa história toda Calheiros é “vítima”.
Um giro apenas pelos títulos das matérias do dia sobre a deprimente jornada de ontem do Conselho de Ética já demonstra o que quero dizer.
“Advogado de Mônica diz que Renan pagava pensão ‘por fora’”.
“Renan deu R$ 100 mil em dinheiro vivo a jornalista”.
“Valor não está na declaração de IR”.
“Relator se licencia e ninguém quer a vaga”.
“As manobras da tropa de choque de Renan”.
“Lobista defende Renan e é cumprimentado”.
“O Senado está sangrando muito mais do que Renan”.
Acrescentem-se agora os títulos das reportagens em Alagoas.
“Renan e irmão embaralham negócios”.
“Senado não investiga compradores de gado”.
“PF aponta contradições nos papéis de Renan” [furo da Folha].
”Em 2 anos, senador comprou 3 fazendas e formou rebanho com mais de mil cabeças”.
“Renan declarou lucro com criação de gado bem acima da média nacional”.
“Contas apresentadas pelo senador no batem com os preços do CAN”.
E os títulos das colunas assinadas, então?
“Pior a emenda” [Dora Kramer, no Estado].
“Uma farsa” [Merval Pereira, no Globo].
“Passou do ponto” [Renata Lo Prete, na Folha].
E o mais devastador de todos:
“Conselho contra a ética” [Janio de Freitas, na Folha].
Começa assim:
“O problema principal do caso Renan Calheiros deixou de ser a idoneidade de Renan Calheiros para ser o que restará da idoneidade do Senado […]. As manobras dos associados a Renan Calheiros estão levando longe demais a desmoralização do Senado. Aquele ponto em que os desgastes mostram efeitos irreparáveis.”
E termina assim:
“O Conselho de Ética do Senado devia ser submetido a um Conselho de Ética, se não a um tribunal. E, depois dele, o plenário do Senado. A esta altura até a (escassa) decência pessoal começa a mostrar-se insuficiente para justificar a presença ali.’
P.S. A origem do dinheiro
Ainda não se provou que a Mendes Júnior, por intermédio do seu funcionário Cláudio Gontijo, pagou as contas de Renan para a jornalista com quem teve relação extra-conjugal.
Menos ainda Renan conseguiu provar que pagou as suas contas com dinheiro oriundo da venda de gado.
Supondo ser verdadeira a história de que Gontijo apenas repassava o dinheiro do amigo senador para a ex-amante, a conta só fecha numa hipótese. E dela só se falou hoje, na grande imprensa, numa matéria do Estado, assinada pelas repórteres Ana Paula Scinocca e Rosa Costa:
“Para alguns senadores, a revelação do pagamento “por fora” e das “sacolas de dinheiro” reforçou as suspeitas de que ele [Renan] usou dinheiro não contabilizado para arcar com essas despesas.”
Não é por nada. Mas você leu isso primeiro aqui – e não foi ontem.
No artigo “Só um jornal foi para cima do senador”, de 26 de maio [http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id=
{E6B38611-363B-4AE4-A80B-ABB3645C3A41}&id_blog=3], escrevi:
“Perguntar não ofende: alguém por aí sentiu cheiro de caixa 2?”
P.S.2 Da série ‘Para o leitor, tudo? Nada’ [Bis]
No primeiro P.S., de domingo, critiquei o Estado por se limitar a dar a seco, sob o título ‘PF nega ter apreendido foto de Lula e acusado’, uma nota da Polícia Federal contestando a legenda de uma foto, publicada na véspera, segundo a qual ela teria sido apreendida na casa do caça-niqueleiro Nilton Servo.
O jornal, apontei, não escreveu uma palavra sobre o local onde a foto estava nem sobre quem a repassou. Mesmo que se limitasse a algo como isso: ‘O jornal obteve a foto com a condição de não revelar onde foi encontrada e a identidade de quem a repassou.’
Pois bem. Pelo visto, tampouco a Polícia Federal aprovou a retificação sumária. Tanto que soltou uma segunda nota, transcrita hoje na íntegra pelo jornal na matéria ‘Polícia Federal contesta reportagem’.
A nota:
‘A Polícia Federal não apreendeu as fotos descritas na matéria nem tampouco constam em qualquer um dos autos do inquérito da Operação Xeque-Mate as imagens reproduzidas no jornal. A bem da credibilidade de O Estado de São Paulo é forçoso, portanto, que as devidas correções sejam feitas, uma vez que estão erradas as informações contidas tanto no texto da reportagem quanto no crédito da foto (‘Divulgação-PF’). A correta informação sobre a origem do material está contida no próprio corpo do texto da reportagem: ‘O acervo de fotografias pertence à família Servo foi usado ostensivamente pelo empresário do ramo de máquinas caça-níquel em sua campanha, sem êxito, para a Prefeitura da cidade de Bonito (MS), em 2004. Servo exibia as imagens como trunfo eleitoral, para tentar mostrar sua proximidade com o presidente Lula’.’
Além da nova nota, o jornal registra que o ministro da Justiça, Tarso Genro, ‘também reagiu à informação’, dizendo:
‘A PF não divulgou o que não lhe pertence e não está no inquérito da Operação Xeque-Mate.’ E acrescenta: ‘Como diz a reportagem, são fotos fartamente usadas naquela campanha, cinco anos atrás, portanto, que não revelam coisa alguma nos dias de hoje.’
Suponho que com a publicação da segunda nota, numa matéria maior que traz igualmente aspas do ministro Tarso Genero, o Estado zerou a sua dívida com a Polícia Federal e o titular da Justiça, a quem o órgão responde.Mas a sua dívida com o leitor duplicou. Antes, o jornal o deixou no escuro sobre a procedência da foto e a identidade de quem a forneceu. Agora, além disso, o leitor fica também sem saber o que faltou na primeira retificação, a ponto de deixar insatisfeita a PF – ou se o motivo da insatisfação é outro.
Duas conclusões. Primeira: aí tem. Segunda: mas, para o leitor, não tem e não vai ter nada. Haja!
[Acrescentado às 14h35 de 19/6.]
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