Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não deixarás barato o que dizem os poderosos

Desta vez blogues e jornais fizeram a lição de casa, não se limitando ao ‘ora, onde já se viu’, depois que o presidente Lula disse na reunião do seu conselho politico, na quinta-feira, que esteve tão desinformado da crise aérea quanto uma pessoa com câncer que, ao descobrir que tem um tumor, a metástase já tomou conta do seu organismo.


 


Lula foi ainda mais específico: disse que os problemas do sistema de aviação civil não foram debatidos em nenhuma das cinco campanhas presidenciais de que participou.


 


Alguém poderia objetar que, na quinta campanha, ele era já presidente da República fazia mais de três anos, mas isso deixou de ser o principal depois da revelação que começou a circular ontem na blogosfera e está nos jornais de hoje, com o merecido destaque.


 


No dia 7 de janeiro de 2002, o futuro tetracandidato presidencial do PT assinou na Gazeta Mercantil o artigo de 12 alentados parágrafos ‘Morte anunciada do transporte aéreo’.


 


Começa assim:


 


‘A crise da aviação brasileira, que vem se arrastando há muitos anos, atinge um estágio terminal, sem que se vislumbre uma solução no horizonte. A recente paralisação dos vôos da Transbrasil é mais um presságio. Antes de chegarmos a uma solução irreversível para o setor como um todo, convém refletir se vale a pena deixar as empresas brasileiras de aviação entregues a sua própria sorte ou se é interessante para o País ter uma aviação nacional competitiva.’


 


E termina assim:


 


‘Enquanto isso, empresas aéreas nacionais estão falindo, milhares de trabalhadores continuam perdendo seus empregos, dívidas estrangeiras deixam de entrar no Brasil e o nosso país perde cada vez mais capacidade competitiva. Até quando, senhor presidente?’


 


Lula pode ter escrito de próprio punho o artigo. Mais provavelmente, como faz a esmagadora maioria dos políticos, deve ter delegado a tarefa a um ghost-writer. Vai ver, talvez tenha apenas batido os olhos no texto publicado. Isso, porém, é o de menos.


 


Políticos estrelados, ainda mais quando chegaram lá, precisam, como do ar que respiram, de assessores que os advirtam para não fazer afirmações que possam ser usadas contra eles. Ou, consumado o lapso, que se antecipem ào contra-ataque da mídia.


 


Não é possível que ninguém do círculo íntimo de Lula se lembrasse do texto de 2002, que leva a sua assinatura, sobre a crise aérea brasileira – e agisse de acordo.


 


Mas isso é problema dos planaltinos. Aqui na planície o que interessa é que a imprensa, no caso, fez o que deve fazer dia sim, outro também. Obedeceu prontamente a um dos mais sagrados mandamento do ofício: 


 


Não deixarás barato o que dizem os poderosos.


 


Mas, neste episódio, dos três grandes diários nacionais, só o Globo obedeceu a outro mandamento igualmente precioso:


 


Ouvirás sempre o outro lado.


 


E informa hoje:


 


‘A assessoria do Planalto disse que não há contradição entre o artigo publicado em 2002 e as declarações feitas anteontem pelo presidente. Para o Planalto, no artigo, Lula tratou sobretudo da situação financeira das companhias áreas, chamando atenção para o problema. O Planalto negou que o presidente tenha dito que não conhecia a crise aérea quando a comparou a uma metástase. Segundo assessores, Lula se referia não a ele, mas ao país, ao próprio sistema, e utilizou uma figura de linguagem para expressar sua opinião. A assessoria disse que a questão aérea nunca foi debatida nas campanhas das quais o presidente participou, apesar de 2002 ter sido ano eleitoral e Lula, embora não oficialmente, já era o candidato do PT.’


 


 


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