Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não deu no jornal: a íntegra da decisão do STF que suspendeu depoimento do caseiro

Todos os jornalões, com exceção dos de Economia, abrem suas manchetes principais de hoje para a liminar concedida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, que suspendeu o depoimento de Francenildo Costa, o caseiro da mansão de Brasília alugada por ex-auxiliares de Antonio Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto.

Até os contínuos do Congresso sabem que a mansão alugada por Vladimir Poleto e Rogério Buratti, ex-assessores de Palocci, era para ser uma ‘central de negócios’, mas acabou sendo palco de altas esbórnias e embalos com participação das ‘recepcionistas’ da ‘promotora de eventos’ Jeanny Mary Córner.

Quando a ordem da Justiça foi acatada, Francenildo já falara por 55 minutos aos senadores da CPI dos Bingos – tempo suficiente para repetir o que O Estado de S.Paulo trouxe na terça-feira e todos os jornais reproduzissem igual teor na quarta e na quinta, com a convocação de uma coletiva pelo advogado do caseiro. Em todas as ocasiões, Francenildo jura ter visto o ministro. Palocci nega.

Algumas interpretações do noticiário de hoje reforçam que o Poder Judiciário novamente interferiu na autonomia do Legislativo, outras retomam que o ministro da Fazenda está novamente por um fio. Nenhum jornal, entretanto, reproduz a íntegra do texto da decisão do ministro do STF.

Na reprodução abaixo, os trechos em itálico negrito correspondem ao original do documento reproduzido no site do STF. Os sublinhados são do jornalista responsável por esse blog.

Recomenda-se fortemente a leitura



MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.885-3 DISTRITO FEDERAL
RELATOR
: MINISTRO CEZAR PELUSO


IMPETRANTE(S) : SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES
ADVOGADO(A/S) : MÁRCIO LUIZ SILVA
IMPETRADO(A/S) : COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL – CPI DOS BINGOS

DECISÃO: 1.
Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo senador Sebastião Afonso Viana Macedo Neves, contra a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos, que, instaurada no Senado Federal para apurar ‘utilização das casas de bingo para a prática de crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como relação dessas casas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado‘, estaria exorbitando de seus poderes ao entrar a investigar outros fatos, sem nenhuma prova prévia de conexão com o fato determinado que lhe justificou a instauração.

O impetrante invoca direito líquido e certo, que consistiria na prerrogativa parlamentar de exigir se atenha a Comissão ao seu objeto formal, e enumera outros fatos que, sem nenhum liame aparente com tal objeto, estariam sendo investigados, o que evidenciaria desvio de finalidade, na forma de abuso de poder, na atuação da CPI, que não alterou, como podia fazê-lo, o objeto original. E releva o Requerimento nº 52/06, aprovado na data de ontem, para inquirição de Francenildo Santos Costa, cuja entrevista demonstraria que se trata de pessoa
simples que se propõe a fazer afirmações constrangedoras sobre a vida íntima de pessoas ligadas ao governo, concorrendo para sua desestabilização política ou antecipação da campanha eleitoral.

Em caráter liminar, pede sejam suspensas diligências que desbordem do fato objeto da CPI, em particular sobre temas que discrimina e a cujo respeito já teria a Comissão estendido investigação, ou sejam suspensas diligências impertinentes e abusivas, como seria o caso do Requerimento nº 52/06.

2.
É caso de liminar.
Neste juízo prévio e sumário, a cognitio é, por definição, superficial e
provisória, porque se atém à estima de dados unilaterais, ante o caráter de urgência da tutela pretendida.
Nessa perspectiva, não parece desarrazoada a afirmação da existência de direito líquido e certo do impetrante, enquanto diz com o exercício de prerrogativa parlamentar tendente a, como membro de Comissão Parlamentar de Inquérito, conter-lhe as atividades nos limites constitucionais do fato determinado que lhe justificou a criação (art. 58, § 3º, da Constituição da República), sob pena de comprometimento de sua eficácia como órgão específico de fiscalização do Parlamento.

Escusaria advertir que, se se perde CPI na investigação de fatos outros que não o determinado como seu objeto formal, configuram-se-lhe desvio e esvaziamento de finalidade, os quais inutilizam o trabalho desenvolvido, afrontando a destinação constitucional, que é a de servir de instrumento poderoso do Parlamento no exercício da alta função política de fiscalização. Nenhum parlamentar pode, sem descumprimento de dever de ofício, consentir no desvirtuamento do propósito que haja norteado a criação de CPI e na conseqüente ineficácia de suas atividades.

Conquanto sejam públicos e notórios alguns episódios narrados na inicial, os quais revelariam dispersão dos trabalhos da CPI na investigação de fatos que, à míngua de prova prévia de conexão, não guardariam vínculo algum com o objeto formal da chamada CPI dos Bingos, seria excessivo impor, nesta sede, sem audiência da autoridade tida por coatora, limitação genérica às atividades da CPI.
Mas é força convir em que, a levar a sério, como se deve, a justificação mesma do Requerimento nº 052/06, não se encontra nenhum fato que, já provado, fora suscetível de se reputar conexo com o objeto formal da CPI, pois seus termos, sobre apoiarem-se basicamente em reportagens, aludem a supostos ilícitos que, não obstante possam fundamentar e legitimar a criação de outras tantas CPIs, em nada entendem com o fato determinado a que deve ater-se a Comissão já criada.

Eventual partilha de dinheiro, em certo local, não tem por si presunção alguma de que estaria ligada a uso de casas de bingo para a prática de crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores. Doutro modo, qualquer notícia ou reportagem sobre corrupção poderia ser abrangida como alvo dessa CPI, a qual se transformaria numa como Comissão Geral de Investigação da República, ou reviveria órgão análogo de épocas de autoritarismo.

Observe-se – e isto é de toda relevância e, de certo modo, decisivo na resposta ao pedido de liminar – que a ‘Justificação‘ do Requerimento nº 052/06 não faz menção alguma à possibilidade de que a referida testemunha conheceria a origem do dinheiro que, alegadamente, teria sido distribuído na casa de que se cuida. Noutras palavras, seu depoimento em nada ajudaria a esclarecer ou provar a suposição de que seria dinheiro oriundo de casas de jogo! E é o que se presume à condição cultural e ao próprio trabalho que a testemunha desempenharia no local apontado.

E nem precisaria notar que outros fatos, ainda que censuráveis do ponto de vista dos costumes ou da moral social, à medida que só respeitam à vida privada das pessoas, não podem, sequer em tese, ser objeto de CPI, porque a esta só é dado investigar assunto sobre o qual tenha competência legislativa o Parlamento. Vida e negócios privados, enquanto tais, sem vínculo com interesse coletivo, esses não entram na competência legislativa do Parlamento e, portanto, estão fora do alcance de CPI.

Daí, em resumo, diante do risco de desvio de finalidade e de comprometimento da função da CPI, de que faz parte o impetrante, coexistirem os requisitos para tutela provisória, cuja concessão não impedirá que, seja outra a decisão final, possa a CPI realizar a diligência que, à primeira vista, parece como impertinente com seu objeto formal. Nem, muito menos, que os mesmos fatos possam justificar a criação de outra ou outras CPIs.

3.
Do exposto, concedo, em parte, liminar, para suspender, até julgamento final da causa, a inquirição do Sr. Francenildo Santos Costa. Comunique-se incontinenti à autoridade, requisitando-lhe informações.

Publique-se.

Brasília, 16 de março de 2006 (13h06).

Ministro CEZAR PELUSO
Relator