Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não há notícia sem conhecimento

A afirmação é do professor dinamarquês Teun van Dijk, que ficou mundialmente conhecido por suas pesquisas sobre a relação entre notícia, conhecimento e psicologia. Para ele, a qualidade da notícia está ligada ao conhecimento do jornalista sobre o tema abordado e ao contexto psicológico onde a matéria foi investigada e redigida.

A observação cai como uma luva para entender a natureza da cobertura da nossa imprensa sobre a situação atual do país. A qualidade das notícias publicadas em jornais, revistas, telejornais e sites noticiosos vem se degradando aceleradamente porque os repórteres e editores não conseguem mais agregar conhecimento devido ao ritmo industrial de produção jornalística e à complexidade dos temas em debate.

Isto ocorre paralelamente à intensificação da incerteza psicológica dos profissionais causada por fatores como temor ao desemprego, insegurança cognitiva sobre os assuntos pautados para publicação, dúvidas sobre o tipo de interesse embutido em dados fornecidos por fontes e entrevistados e, finalmente, o efeito patrulhamento, exercido por leitores.

Tudo isto contribui para que a informação publicada sobre a campanha eleitoral brasileira de 2014 possa ser considerada uma das mais burocráticas e desinteressantes das últimas décadas. Isto porque o noticiário atual procura transmitir agora uma imagem de imparcialidade para sacramentar a estratégia do pessimismo informativo desenvolvida desde o início do ano e que procurou criar o clima no qual os eleitores decidirão seu voto.

O noticiário sobre a campanha não transmite absolutamente nenhum conhecimento ao eleitor e, portanto, não o ajuda em nada na difícil tarefa de separar o joio do trigo na verborragia dos políticos. A cobertura limita-se a registrar os deslocamentos dos candidatos, referências telegráficas aos temas abordados em discursos e entrevistas. O máximo de conhecimento que a imprensa procura agregar são interpretações superficiais sobre o desempenho dos candidatos em entrevistas no Jornal Nacional

A maioria dos candidatos, especialmente os presidenciais, adotou um estilo de comunicação extremamente pontual, ou seja, dirigem-se a públicos específicos abordando problemas também específicos. Quem não pertencer a um destes públicos simplesmente fica, como se diz na gíria, vendido, ou seja, não tem condições de entender nada, porque a imprensa não fornece dados para que o discurso eleitoral possa ser contextualizado.

Se a imprensa estivesse realmente a serviço do eleitor, já estaria cansada de perceber que se transformou numa mera repassadora de recados. A ausência de agregação de conhecimento torna difícil classificar o que é publicado como sendo notícia jornalística.

A polêmica afirmação de van Dijk, feita num artigo publicado em 2004, tem como base o pressuposto de que, quanto mais o jornalista conhecer o assunto sobre o qual escreve ou narra, mais fácil de ler e compreensível será o material publicado ou transmitido. Todo jornalista conhece, ou deveria conhecer, esta relação estreita entre a notícia, como dado inédito, e o conhecimento, mas são raros os que têm condições para pô-la em prática na rotina diária. O ritmo industrial de produção informativa faz com que a mecânica do preenchimento de espaços em papel ou em tempo de radio ou TV se sobreponha à preocupação em contextualizar a notícia.

Cada leitor desenvolve uma representação mental, construída a partir de notícias, da realidade que o cerca. Este modelo mental é consolidado ou desestruturado pelo conhecimento contextual adquirido por um indivíduo. Quando você recebe diariamente notícias sobre o deterioro da situação econômica do país, mas não tem elementos para saber se isto é real ou fictício, acaba assumindo que a situação está realmente ruim (o modelo mental) e a partir daí toma suas decisões pessoais.

O que o noticiário eleitoral da imprensa faz é sonegar conhecimento aos seus leitores, gerando com isto uma agenda enviesada e partidarizada, com a aparência de imparcialidade e objetividade. Não existe imprensa imparcial porque ninguém é imparcial. Todos nós reagimos em função das percepções que captamos da realidade por meio dos nossos sentidos. O que torna a nossa parcialidade socialmente correta é a preocupação com a agregação de conhecimento, ou seja, de outras percepções possíveis da realidade. Mas isto a imprensa não faz e, consequentemente, o que publica não é notícia e sim marketing eleitoral