A conceituada revista acadêmica norte-americana Nieman Reports, editada pela Fundação Nieman, da Universidade Harvard, reuniu nada menos que 47 autores para tentar esboçar um novo “norte” para o jornalismo num painel que o Instituto Poynter, também norte-americano, classificou como essencial para entender a mudança de modelos em curso na imprensa mundial.
A complexidade e amplitude do tema, obviamente, só poderiam enquadrar-se no formato painel, já que seria inviável qualquer tentativa de produzir um estudo definitivo. A diversidade de pontos de vista expressados pelos 47 textos não permite uma conclusão final, mas fornece insumos valiosos para alimentar o debate sobre o futuro do jornalismo.
Melissa Ludtke, a editora e responsável pela versão online do trabalho, afirma que os impressos e a televisão estão sendo substituidos pela digitalização e pelos sistemas multimídia móveis da internet como veículos de transmissão de informações, da mesma forma que o automóvel substituiu a tração animal, há mais de um século.
Os textos variam desde uma bem humorada e nostálgica visão dos problemas da mídia impressa a partir da novela Black & White and Dead All Over, na qual o escritor John Darnton conta a história de um editor de jornal que se suicidou com a peça metálica pontiaguda usada para espetar os textos descartados na edição. O autor do texto, Steven Smith, foi editor da respeitada revista The Spokesman-Review e hoje publica o blog Still a Newspaper Man.
O texto mais comentado (os leitores podem opinar na página do estudo) foi o de Edward Roussel, editor do site do jornal inglês Daily Telegraph, que atribuiu a atual crise nas empresas jornalísticas à sua lentidão em aceitar que a internet mudou radicalmente a ecologia informativa da sociedade contemporânea. Segundo Roussel, a imprensa estava acomodada por conta dos altos lucros, não viu, ou não quis ver, as alterações provocadas pelas novas tecnologias e só começou a reagir quando o mercado financeiro passou a cobrar mudanças. Mas aí já era tarde, porque em seguida aconteceu a crise das bolsas, o fantasma da recessão espantou os investidores e a transição, que poderia ter sido feita de forma tranquila, ganhou ares dramáticos com demissões em massa e fechamento em série de jornais e revistas, bem como uma migração da publicidade rumo à internet.
Um dos textos mais instigantes de todo o informe é o escrito pelo neurocirurgião Kennetth Kosik, professor da Universidade da California, que mostra como o processo de produção de conhecimentos mudou radicalmente depois da internet. Kosik, que é diretor de um instituto de pesquisas sobre neurociência em Santa Barbara, California, mostra como o conhecimento individual, baseado em especialistas passou a conviver com o conhecimento coletivo, gerado por milhões de individuos.
O pesquisador parte de sua experiência médica para mostrar como doenças como a gripe estão sendo estudadas hoje também a partir de contribuições individuais — como é o caso do Google Flu Trends, uma ferramenta desenvolvida pelo mecanismo de buscas Google para identificar tendências na disseminação da doença nos Estados Unidos com base em dados e informações fornecidas por internautas. Kosik acha que a produção colaborativa de informações, como é o caso da enciclopédia virtual Wikipédia, está assumindo um papel cada vez maior na formação do conhecimento humano, e que a imprensa deveria deixar de ver este fenômeno com desconfiança.
A diversidade de experiências e reflexões inseridas no estudo é tanta que um internauta inglês reclamou num comentário que a leitura de todos os artigos consumiu quase 36 horas. Outra característica relevante no especial do Nieman Reports é que ele, de alguma forma, rompe com a formatação e a postura clássicas das revistas acadêmicas convencionais ao valorizar a contribuição dos chamados practitioneers (pessoas com grande experiência prática mas sem titulação acadêmica) e ao se preocupar mais com oferecer dados para a reflexão coletiva do que buscar conclusões.