A internet provocou uma mudança no uso do conceito de liberdade de expressão a partir do momento em que nós, usuários da rede, passamos a ter a possibilidade de publicar textos, imagens e áudios capazes de ser acessados por até um bilhão de pessoas.
Até agora o termo liberdade de expressão era mais usado pelas empresas de comunicação para defender a sua autonomia nos negócios. Atualmente, no entanto, a liberdade de expressão transformou-se no apanágio dos usuários da internet, diante da campanha de governos conservadores e grandes conglomerados de telecomunicações para impedir que a rede escape do seu controle.
As empresas jornalísticas, tão empenhadas anteriormente em assegurar a ausência de controles sobre o fluxo de notícias, agora estão sintomaticamente silenciosas e ausentes do debate em torno da neutralidade da internet. A neutralidade propõe a ausência de privilégios e controles no acesso à banda larga por onde circulam os pacotes de dados digitalizados. As grandes empresas querem usufruir de maior largura de banda, o que significa velocidades mais altas na subida (upload) e na baixada (download) de programas e arquivos, beneficiando especialmente as que distribuem vídeos, filmes, músicas e jogos na internet.
Caso o princípio da neutralidade seja derrotado, a ideia original de uma internet descentralizada deixará de existir, prevalecendo na prática um sistema idêntico ao dos assentos num avião: classe executiva e classe econômica. A primeira com privilégios de alta velocidade e a segunda, com o que sobrar na distribuição de espaços na banda larga.
Além das empresas, também governos estão empenhados em acabar com a liberdade na circulação de dados, notícias e informações para minimizar a disseminação de ideias e projetos de opositores e dissidentes políticos. É o caso de países como Rússia, China, Cuba e Turquia. Esses países defendem uma fragmentação da internet para voltar ao estágio onde cada governo podia controlar o fluxo de notícias dentro de seu território.
A defesa da liberdade de expressão na internet mobiliza hoje milhões de pessoas em todo o mundo porque elas já verificaram como o fluxo de informações passou a ser essencial na vida de cada individuo, e até para o futuro de nossa sociedade. A possibilidade de protestar, defender, reclamar, cobrar, exigir, elogiar e recomendar passou a integrar o quotidiano das pessoas, especialmente nas gerações mais jovens, que dificilmente aceitarão um retorno aos tempos de informação controlada e centralizada.
O livre fluxo de dados passou, também, a ser essencial para o desenvolvimento da economia contemporânea na medida em que os negócios dependem cada vez mais da inovação tecnológica e gerencial. As inovações dependem de aprendizado e produção de conhecimentos, que por sua vez dependem da intensidade e diversidade no fluxo das trocas de dados, notícias e informações.
Impor limites à recombinação de dados implica restringir a inovação – o que para muitos tipos de negócio equivale a um suicídio empresarial. A inovação acelerada criou expectativas nos consumidores que são cada dia mais difíceis de frear. Por isso, a defesa da liberdade de expressão, um sinônimo de liberdade no fluxo de informações e dados, criou um dilema complicado para governos e empresas cuja cultura ainda está baseada nas velhas rotinas centralizadoras e hierárquicas. Passou também a ser tratada como um direito básico dos cidadãos e a grande alavanca de negócios para empresas como Google e Facebook.
O exercício da liberdade de expressão divide empresas e consolida movimentos como o Avaaz, que mobiliza milhões de pessoas ao redor do mundo por meio de abaixo-assinados e petições envolvendo a defesa do livre fluxo de informações. É por isto que o site Google enfrenta tantos problemas com alguns governos centralizadores e com empresas que defendem o controle no fluxo de informações por meio da cobrança de direitos autorais.
Tudo indica que os conflitos, as crises e mobilizações de internautas em torno da questão da liberdade de expressão na internet tendem a crescer na medida em que os interesses de cada lado forem se definindo cada vez mais. A polêmica sobre a neutralidade da internet está se tornando cada vez mais ideológica, com mostram os debates no Congresso norte-americano, onde os republicanos já colocaram a questão como um dos seus principais objetivos estratégicos tão logo passem a ter maioria nas duas casas do poder legislativo.
O tema coloca também a imprensa numa encruzilhada. Até agora ela defendeu a liberdade de expressão como um fundamento para a existência de um jornalismo livre. A coerência indicaria que ela assumiria postura idêntica quando o debate se transferiu para a arena digital, mas não é o que está acontecendo. A maioria dos jornais, como ocorreu recentemente na Espanha, prefere se entrincheirar na defesa do controle do fluxo de notícias, baseado na propriedade de dados, notícias e informações.