Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Nunca fui pressionado a entregar o cargo’

O jornalista Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, enviou aos seus colegas da empresa a carta a seguir transcrita. Leia, a propósito, neste blog, a nota ‘A mídia e a mulher de César’, de 14/11.

O fato de que enviei uma carta ao Presidente da República pondo o meu cargo à disposição acabou sendo ventilado na imprensa. Vários veículos noticiaram o meu gesto e, em algumas das reportagens, ficou no ar a sugestão de que haveria um vínculo entre a minha possível saída e pressões supostamente articuladas para ‘partidarizar’ a Radiobrás. Não há relação direta entre uma coisa e outra e, para que todos tenham clareza sobre a real motivação da minha conduta, faço circular esta mensagem.

Não é de agora a minha intenção de abrir mão do cargo ao final do primeiro mandato. Ela já vem de um bom tempo. Numa entrevista que dei à revista ‘Caros Amigos’, em outubro de 2005, essa minha intenção já aparecia com todas as letras. Ela foi citada de novo numa outra entrevista, esta para o site ‘Comunique-se’, em junho de 2006. No prazo devido, sempre repeti, a renovação é saudável. Dentro da Radiobrás, muitos de vocês sabem que penso assim e muitos já estavam informados de que eu poria o cargo à disposição imediatamente após a reeleição de Lula, caso ela se confirmasse. Dito e feito. A minha carta, endereçada ao Presidente, com cópia para o Ministro Luiz Dulci, seguiu no dia de 31 de outubro, dois dias depois do segundo turno.

Que fique claro: nunca fui pressionado a entregar o cargo. Do mesmo modo, nunca recebi nenhuma recomendação expressa para ‘partidarizar’ a comunicação da Radiobrás. Se há setores do PT que não concordam com a linha de informar o cidadão com objetividade sobre os assuntos ligados aos seus direitos, se há setores que pleiteiam a volta da ‘chapa branca’ de comunicação, esses setores nunca se apresentaram a mim nesses termos. Caso alguém advogue o partidarismo das emissoras públicas, imagino que esse alguém tenha ficado nas sombras durante os quatro anos que estive por aqui.

Houve, sim, algumas contrariedades ao longo do caminho. São normais. Todo órgão de comunicação convive com insatisfações vindas dos mais diversos segmentos sociais. Enfrentamos debates e contestações, e não poderia ser diferente. A inércia na administração pública esperava da Radiobrás a manutenção do proselitismo governista. Nós frustramos esse tipo de expectativa quando interrompemos velhos hábitos que, no fundo, caracterizavam um desvio das finalidades legais da Empresa. Passamos a informar a sociedade com equilíbrio, apartidarismo e objetividade. Paramos de fazer propaganda dissimulada das autoridades. Claro que isso gerou incompreensões, aqui e ali, mas nada que impusesse uma alteração de rumo ao projeto adotado.

O governismo que vicejava na Radiobrás era uma forma de partidarismo e, por isso, tinha de ser repelido. Esta Empresa, com suas agências de notícias e suas emissoras, pertence ao cidadão e a ele deve servir, tenha ele a coloração ideológica que tiver. Ela não é um órgão de promoção pessoal dos ocupantes dos altos cargos do Executivo e não poderá mais ser usada como tal. A mesma democracia que não aceita que um hospital público adote critérios partidários para recrutar médicos ou internar pacientes não pode mais tolerar parâmetros partidários na direção de qualquer emissora pública. O direito à informação é sagrado, é de todos, e só a ele as emissoras públicas devem servir. A mais ninguém.

Ao longo desses quatro anos, o direito à informação foi o valor máximo da nossa administração, num compromisso que foi firmado no meu discurso de posse, no dia 2 de janeiro de 2003. Nunca recuamos. Ao contrário, avançamos velozmente, com resultados materiais. A quantidade de veículos da Empresa aumentou, a produção jornalística cresceu e, acima de tudo, a qualidade dos conteúdos subiu uns bons degraus. Em conseqüência, são mais numerosas as emissoras que reproduzem voluntariamente a nossa programação e as nossas notícias. Hoje, os jornalistas e radialistas da Radiobrás colecionam prêmios. A Radiobrás atual é melhor, mais ágil, mais competitiva, mais produtiva e muito, muito diferente da Radiobrás antiga. Qualidade, ética e apartidarismo andaram de mãos dadas na trilha da nossa evolução. O reconhecimento veio logo em seguida.

Outro ponto deve ficar claro: nada se fez à revelia do governo. O projeto se pôs de pé sob a supervisão do Poder Executivo, nos termos da lei. Os fatos atestam que o primeiro governo do Presidente Lula deu sustentação objetiva ao que se passou nesta Empresa. Atravessamos períodos tensos, é verdade, períodos complexos, polêmicos – mas nós os atravessamos intactos. Tenho orgulho de ter merecido a confiança do Presidente e, na carta que lhe enviei, agradeci a honra de ter sido escolhido para a função. Sem o apoio de que fui investido, o projeto não teria prosseguido.

Por fim, reitero que não me demiti. O que fiz foi pôr o cargo à disposição, o que é bem diferente. Ao Presidente e ao Ministro responsável cabe eleger a melhor hora para o meu afastamento, no ritmo e no prazo que eles julgarem adequados. Até lá, exercerei integralmente, com dedicação total, as minhas atribuições. Vocês devem seguir tranqüilos, seguros: na administração pública, o revezamento faz parte da regra, não constitui nenhuma extravagância. A Radiobrás está pronta para mais uma troca de comando. O belo trabalho que vocês realizam fala por si, tem autoridade natural. Não se esqueçam: os protagonistas dessa história são vocês.

Eu já disse que tenho orgulho de ter merecido a confiança do Presidente. Devo acrescentar agora que tenho ainda mais orgulho de ter merecido o respeito dos servidores desta casa, e sei que o mereci. O respeito só é verdadeiro quando é recíproco. E o respeito que nos une é assim, verdadeiro e recíproco.’

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