Os jornais do dia apresentam as conclusões (ainda não definitivas) da CPI do Apagão Aéreo. Sobra para Deus e todo mundo: Anac, Infraero, empresas, Aeronáutica, controladores…
Deve ser tudo verdade. Ainda assim, o problema é mais embaixo: em um número cada vez maior de países onde voar se tornou uma trivialidade para legiões de pessoas, o sistema de transporte aéreo está rebentando as costuras.
O Brasil, onde nunca se voou como de uns tempos para cá, vai pelo mesmo caminho. A jato, se me permitem o jogo de palavras.
Descontando as peculiaridades nacionais – que nem são tantas assim – a matéria resumida a seguir, do New York Times de hoje, parece falar da gente. Tem por título: “A feia matemática das aéreas: aviões atrasados, passageiros mais atrasados ainda”:
“Como qualquer um que tenha voado recentemente decerto pode lhe dizer, os atrasos estão ficando piores este ano. A pontualidade das aéreas nunca esteve pior, mas mesmo os números oficiais nem começam a dar conta da severidade do problema.
Isso porque essas estatísticas registram os atrasos dos vôos, não das pessoas. As demoras mais longas – que resultam de conexões perdidas e vôos cancelados – exigem passar horas ou até dias em aeroportos e hotéis e não são oficialmente computadas.
Pesquisadores do Instituto Massachusetts de Tecnologia [MIT] descobriram anos atrás que, se conexões perdidas e cancelamentos de vôos fossem incluídos nos cálculos, a demora média seria 2/3 maior do que a consta nas estatísticas.
Eles constataram também que, com os aviões cada vez mais cheios – e nunca estiveram tão abarrotados como hoje -, a demora se estende porque fica mais difícil achar lugar nos vôos seguintes.
Os mesmos pesquisadores estão atualizando o seu estudo. Mas eles já sabem que, com a lotação dos vôos domésticos na casa de 85% a 90%, o que significa que virtualmente todos os aviões nas rotas dedsejadas estão cheios, os atrasos vão aumentar muito.
Cerca de 1/3 dos passageiros domésticos fazem pelo menos uma conexão entre o ponto de partida e o destino final.
Nos cinco primeiros meses do ano, mais de um 1/4 de todos os vôos nos Estados Unidos chegaram pelo menos 15 minutos atrasados.
Aos vôos cheios devem-se acrescentar fatores climáticos, um sobrecarregado sistema de controle de tráfego aéreo – sem falar no mau humor dos atendentes, depois que os seus salários foram reduzidos enquanto os executivos das aéreas embolsam gordos benefícios.
Ainda sobre as falhas estatísticas, se um vôo sai do portão, fica parado horas a fio, acaba voltando e sendo cancelado, o atraso não é registrado. O mesmo para vôos desviados para outros aeroportos.
Isso explica por que, no caso de determinada companhia, a Continental, levantado pelo MIT, em agosto de 200 o atraso médio foi de 15,4 minutos. Mas, incluindo o tempo total perdido pelos passageiros, a média alcançou 25,6 minutos – 66% a mais. Num único dia, 1.658 passageiros perderam suas conexões.
A aérea adotou um novo sistema de envio de e-mail – e, a partir do mês que vem, de mensagens de texto a celulares – informando os passageiros com conexões para que vôos foram transferidos.
Só que esses novos vôos são daí a três dias.
A empresa tenta hospedar em hotéis próximos os que não conseguem reembarcar no mesmo dia. Mas faltam quartos perto dos aeroportos. Quando isso acontece os funcionários tiram do depósito alguns dos 600 catres para que os passageiros durmam nos próprios terminais.”
Agora, olhem em volta e vejam se outros sistemas da chamada vida moderna não estão também saturados. O trânsito nas cidades é o primeiro e mais óbvio exemplo.
Em São Paulo, nos anos 1970, imaginou-se que a construção desse câncer urbano chamado minhocão e a degradação das margens dos rios em vias de tráfego dariam um respiro duradouro à circulação estrangulada. Ontem, em plenas férias de julho, a cidade teve o segundo maior congestionamento do ano.
Essa é a questão que a mídia deveria ressaltar, ligando os pontos: por onde quer que se a examine, a infra-estrutura de transportes, edificações e energia está batendo pino em toda parte, pressionada, de resto, pelo atual ciclo de prosperidade no mundo globalizado.
Vai ficar pior. Porque as populações que passaram a desfrutar dos mais avançados confortos materiais da modernidade não querem, naturalmente, voltar a viver como viviam quando não tinham acesso a eles. E as populações que ainda deles não desfrutam tanto como gostariam não vêem a sua hora também chegar.
Resumo da ópera: ‘Relaxar e gozar’, só em casa – e olhe lá.
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