Numa conversa com uma fonte, um repórter da Radio Difusão Portuguesa (RDP), enviado ao Brasil para cobrir as eleições, dizia-se ontem espantado com a ‘rudeza’ da disputa política brasileira. ‘Chamar o presidente de ladrão seria inconcebível no meu país’, comparou.
Ele está certo – e a mídia trata desse crescente baixo nível como a coisa mais natural do mundo.
Protegido pela imunidade parlamentar, o senador Antonio Carlos Magalhães, aquele que renunciou para não ser cassado no escândalo da quebra do sigilo de uma votação, vai à tribuna quantas vezes quiser para dizer que Lula bebeu antes de falar isso ou aquilo.
A senadora Heloisa Helena, que a imprensa trata com luvas de pelica e algum deslumbre, quaisquer que sejam as grosserias que ela apronte dia sim o outro também, praticamente diz com todas as letras que o presidente é capaz de mandar matar. Com todas as letras ela já disse que tinha vontade de ‘vomitar’ nos adversários.
E, pior do que tudo, Fernando Henrique, em busca quem sabe de uma tardia vocação lacerdosa, não perde ocasião de perder a dignidade da condição de ex-presidente. Ontem, chamou o sucessor de ‘demônio’.
E este compra uma briga perdida com a mídia, dizendo, por exemplo, que ‘cada erro que um dos nossos comete é como se tivesse caído uma bomba atômica. Um erro deles, eles tiram no dia seguinte das páginas dos jornais, mas os nossos ficam meses e meses’.
Falso. O que é, se não uma bomba atômica, a compra frustrada de um dossiê antitucano, que explodiu a 10 dias da eleição e que Lula chamou de ‘abominável’, e não foi uma vez só, e cujos participantes, a começar do presidente do seu partido e chefe destituído da sua campanha reeleitoral, Ricardo Berzoini, ele brinda com termos cada vez mais agressivos (depois, é bem verdade, de chamá-los de ‘meninos’, no Bom Dia Brasil).
É o assunto, por sua gritante gravidade, que se mantem no noticiário ‘meses e meses’ (sic). E na parte que pode tocar o PSDB no caso – o alegado envolvimento do ex-ministro e atual prefeito de Piracaciba, Barjas Negri – acontece o contrário do que Lula diz. A imprensa não o tirou ‘no dia seguinte’. Colocou-o, e ao seu suspeito amigo Abel Pereira, na berlinda, depois de alguns dias, e ainda não os tirou. É a capa da IstoÉ desta semana.
Hoje, por sinal, Abel aparece dando uma entrevista ao Estado dizendo não saber ‘por que sou o dossiê’. Pronto: a partir de agora a mídia está liberada para chamá-lo de homem-dossiê.
Por fim, ficou também ‘meses e meses’ (sic) na Folha e na Veja, principalmente, o escândalo do grampo no BNDES às vésperas da privatização das teles. E o então secretário presidencial Eduardo Jorge Caldas Pereira comeu na Folha o pão que o diabo amassou. Injustamente, a julgar pelas sentenças favoráveis que tem obtido nos tribunais.
Em suma, como costuma dizer um veterano jornalista português, ‘qu` nojo!’
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