Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“O Brasil é um país maravilhoso para se lavar dinheiro”

O repórter da Folha de S. Paulo Mario Cesar Carvalho fez algumas das coberturas mais importantes da imprensa brasileira sobre crimes financeiros. Entre elas a do fechamento do Banco Santos, a das investigações na Suíça sobre fraudes atribuídas à Parmalat e, no final do ano passado, reportagens sobre uma onda de prisões de doleiros em São Paulo. Ele está convencido, como alguns especialistas, de que o mercado de dólares, ao contrário do que supõe alguns especialistas, não diminui no Brasil, cresce.


Carvalho aponta duas razões para isso:


‘A primeira razão é que está crescendo o comércio internacional e todo mundo que acompanha comércio internacional sabe que uma parte desses pagamentos são feitos por meio de caixa dois, ou seja, quando uma empresa importa um tecido da China, ela paga menos da metade da conta no câmbio oficial e mais da metade por meio de caixa dois, ou seja, é um mercado em ascensão.


A outra parte é o mercado de corrupção que alimenta os doleiros, usa os doleiros para esquentar dinheiro ou para esfriar, dependendo das necessidades e o aumento do caixa dois nas empresas. Esse é um terreno que os jornais nem tocaram, mas se não tivesse caixa dois nas empresas, você não teria esse mercado de dólar em ascensão como parece ser o comportamento dele hoje’.


A seguir, a entrevista. No final, títulos e aberturas de reportagens importantes feitas por Mario Cesar Carvalho.


Mario Cesar Carvalho – A imprensa brasileira, na minha opinião, não faz um acompanhamento sistemático dos crimes financeiros. Só trata dos casos mais espetaculares que resultam ou em prisão ou quando o criminoso é muito famoso, como é, por exemplo, o caso do Edemar Cid Ferreira ou de um [Salvatore] Cacciola da vida [banqueiro foragido na Itália]. Mas não há um acompanhamento das rotinas desses casos. Por isso, na minha avaliação, a imprensa brasileira não tem * know how, não sabe como cobrir esses crimes.


Crime financeiro é vanguarda dos crimes


Você vê um jornalista entrevistando um advogado especializado na área financeira ou um procurador, é uma coisa vergonhosa, porque as pessoas não sabem quais são exatamente as acusações, qual é o embasamento. Hoje em dia, por exemplo, tem toda uma legislação internacional que trata de lavagem de dinheiro. Eu acho que o crime financeiro hoje é uma vanguarda dos crimes, tanto que os Estados Unidos, após o 11 de Setembro, elegeram essa modalidade de crime como uma de suas prioridades.


Para se cobrir com o mínimo de inteligência esse tipo de matéria, precisa-se conhecer legislação internacional, acompanhar os casos internacionais. Só para dar dois exemplos recentes: a promotoria de Nova York, de Manhattan, mais exatamente, abriu uma série de processos contra doleiros brasileiros sob a acusação de que eles operam em bancos de Nova York sem a devida autorização.


Outro exemplo é que a Suíça também abriu um processo que me parece bastante grande, porque é da ordem de 1 bilhão de euros o dinheiro que eles estão buscando, que seria dinheiro desviado da Parmalat do Brasil. E a forma como esse dinheiro foi tirado foi por meio de doleiros. Só para você ter uma idéia, eu acho que é a primeira vez na história que a Suíça decide processar doleiros. Até então, esse tipo de crime era tolerável, hoje em dia não é mais. Eu acho que a questão do terrorismo, das drogas, do tráfico internacional, mudou completamente a visão com que esses Estados têm sobre o crime financeiro.


Mercado paralelo não diminui, aumenta


Há uma matéria sua sobre doleiros, em dezembro, que me parece deveria ter atraído maior atenção. Até porque, no episódio do ‘mensalão’, logo no início [maio de 2005], há um momento em que José Dirceu se queixa com Roberto Jefferson: ‘A PF é do PSDB. Prenderam todos os doleiros na campanha eleitoral’ [de 2002].


M.C.C. – É. Na hora que estoura um escândalo político as pessoas não entendem como é que os doleiros operam e como é que os políticos se beneficiam desses doleiros. Tem uma avaliação que eu acho interessante: alguns especialistas chegaram a vaticinar que esse mercado de dólar no Brasil estava diminuindo, caminhando para a desimportância, para se tornar um mercado secundário. Aconteceu, na minha avaliação e na avaliação de uma série de pesquisadores que acompanham mais atentamente essas áreas, exatamente o oposto.


A saber, o mercado de dólar paralelo, o mercado ilegal de dólar está crescendo. Eu acho que duas razões principais explicam esse crescimento. A primeira é que está crescendo o comércio internacional, e todo mundo que acompanha comércio internacional sabe que uma parte desses pagamentos são feitos por meio de caixa dois, ou seja, quando uma empresa importa um tecido da China, ela paga menos da metade da conta no câmbio oficial e mais da metade por meio de caixa dois. É um mercado em ascensão.


A outra parte é o mercado de corrupção que alimenta os doleiros, usa os doleiros para esquentar dinheiro ou para esfriar, dependendo das necessidades, e o aumento do caixa dois nas empresas. Esse é um terreno que os jornais nem tocaram, mas se não tivesse caixa dois nas empresas você não teria esse mercado de dólar em ascensão, como parece ser o comportamento dele hoje.


E tem alguém estudando isso no Brasil?


M.C.C. – Do ponto de vista policial e jurídico, sim. Você tem em Curitiba uma força tarefa chamada Força Tarefa CC5, composta por integrantes do Ministério Público Federal e delegados da Polícia Federal. Essas pessoas são as que melhor entendem o funcionamento desse mercado. Agora, do ponto de vista acadêmico, isso é muito mal estudado. Eu não conheço nenhum trabalho minimamente decente sobre isso, sobre mercado paralelo de dólar, só para pegar uma faceta dos crimes financeiros, ele é muito mais complexo do que isso, obviamente.


‘Doleiro é mínimo múltiplo comum’


Existe um trabalho jornalístico que dá grande relevo a isso que você falou, que é o livro do Carlos Amorim, CV_PCC: a Irmandade do Crime, em que ele argumenta: ‘Nada disso seria possível sem esse mercado, sem doleiros’.


M.C.C. – Claro. O doleiro, a minha impressão é de que ele é uma espécie de mínimo múltiplo comum entre o crime do colarinho branco, o crime financeiro propriamente dito, a corrupção política e a corrupção corporativa, empresarial. Ou seja, é onde todos os crimes se encontram. Eu, sinceramente, não consigo entender o descaso da imprensa brasileira em relação a esse tipo de evento criminoso.


O Brasil é um país maravilhoso para se lavar dinheiro, tanto que a Parmalat atuava aqui. Basta ver, por exemplo, o caso dos doleiros chineses presos no ano passado, mostrando que havia uma fronteira nova de lavagem e interface com a China. E, como o Brasil precisa de muito capital para se financiar, ele facilita muito a entrada de dinheiro. Parte desse dinheiro que entra é de origem ilícita, dinheiro que é esquentado no Brasil.


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Eis uma súmula de reportagens recentes de Mario Cesar Carvalho na Folha de S. Paulo sobre crimes financeiros. (Pesquisa feita por Raiana Ribeiro.)


17 de novembro de 2004


‘ESPAÇO VAZIO
Instituição não terá como ocupar espaço
Pavilhão da Oca deve fechar em janeiro


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Oca deve fechar em janeiro do próximo ano mesmo que o Banco Santos não estivesse sob intervenção do Banco Central. O problema é que a Brasil Connects, instituição sem fins lucrativos criada em maio de 2001 por Edemar Cid Ferreira, não deve ter exposição para ocupar o espaço – a mostra com obras do Vaticano, prevista para ser aberta em janeiro, deve ser cancelada’.


18 de junho de 2005


‘ESCÂNDALO DO ´MENSALÃO´/O PUBLICITÁRIO

DNA Propaganda e a SMPB Comunicações são investigadas pela Polícia Civil sob a suspeita de compra de notas fiscais frias
Valério é suspeito de comprar notas frias


MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE
As duas agências de publicidade em que o engenheiro Marcos Valério Fernandes de Souza aparece como sócio, a DNA Propaganda e a SMPB Comunicações, são investigadas pela Polícia Civil de Minas sob a suspeita de compra de notas fiscais frias. Marcos Valério é apontado pelo deputado Roberto Jefferson como um dos financiadores do ´mensalão´ que o PT pagaria a deputados.
Estão anexadas aos dois inquéritos 17 notas emitidas para a SMPB, com o valor total de R$ 99.774, e mais seis em nome da DNA (R$ 16.294,00). O delegado Carlos Alberto Malheiros Fialho, da Delegacia Especializada de Crimes contra a Fazenda de Belo Horizonte, disse à Folha estar certo de que o número de notas vendidas era muito maior’.


[A reportagem inclui uma parte feita em São Paulo por Frederico Vasconcelos.]


21 de setembro de 2005


‘CONTAS VIGIADAS
Para juiz, houve ´gestão nefasta´ e ´prática de atos ilícitos´ na instituição; promotoria aponta rombo de R$ 2,9 bi
Justiça decreta falência do Banco Santos


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Vara de Recuperações e Falências de São Paulo, decretou ontem a falência do Banco Santos. De acordo com ele, houve ´gestão nefasta na administração do banco e […] a prática de atos ilícitos, muitos deles a caracterizar crime´.
O promotor Alberto Camiña Moreira, que fez o pedido de falência, calcula um prejuízo de R$ 2,9 bilhões com a quebra do banco de Edemar Cid Ferreira. Além do rombo de R$ 2,24 bilhões que o Banco Central apurou, o promotor incluiu na conta uma perda de R$ 399,887 milhões com os fundos administrados pelo banco e um prejuízo de R$ 285,404 milhões para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
´É a pior fraude do sistema financeiro brasileiro´, diz Camiña Moreira. ´Muitos bancos quebraram por causa da conjuntura econômica. O Banco Santos quebrou por fraudes grosseiras´’.


15 de novembro de 2006


‘PF faz operação contra doleiro em SP


Doze escritórios e residências relacionados à * offshore Agata foram alvo de ação de busca e apreensão pela polícia
Empresa é acusada de ter recebido remessas ilegais de US$ 600 milhões, segundo informações reunidas pela CPI do Banestado
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Polícia Federal realizou ontem uma operação de busca e apreensão em 12 escritórios e residências de São Paulo e Barueri que têm algum tipo de relação com a * offshore (empresa sediada no exterior) Agata International Holdings e com Roger Clement Haber, acusado de operar como doleiro. O alvo das operações são remessas ilegais feitas por empresários.
Numa das empresas supostamente ligadas a Haber, a Romipar Participações, localizada num prédio de escritórios de alto nível no Itaim Bibi (zona sul de São Paulo), a PF apreendeu R$ 210 mil em dinheiro vivo’.

13 de dezembro de 2006


‘Condenados, Edemar e filho são presos


Ex-controlador do Banco Santos recebe pena de prisão de 21 anos, mas vai recorrer; advogado diz que prisão é ilegal
Mulher e executivos também são condenados; juiz justifica prisão dizendo que ex-banqueiro não parou de praticar crimes
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, 63, que controlava o Banco Santos, foi condenado a 21 anos de prisão sob acusação de ter praticado os crimes de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e desvio de recursos públicos -no caso, verbas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
É a pena mais longa a que um banqueiro foi condenado no Brasil. Até então, o recorde era de 12 anos e quatro meses de prisão, pena a que foi condenado Tasso Assunção Costa, do Banco Hércules, de Minas’.

17 de dezembro de 2006


‘Preso doleiro acusado de remeter R$ 1,5 bi


Raul Henrique Srour e seu sócio teriam feito remessas ilegais entre 2000 e 2003, período em que já eram réus em outro processo
Segundo a PF, acusados usaram empresas abertas em paraíso fiscal para fazer envio; advogados não foram encontrados para comentar


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O empresário Raul Henrique Srour foi preso anteontem pela Polícia Federal em São Paulo sob acusação de operar como doleiro. O sócio de Srour, Richard Andrew de Mol van Otterloo, não foi encontrado no dia e é considerado foragido da Justiça, segundo a polícia.
Srour e Van Otterloo são acusados de terem feito remessas ilegais de US$ 700 milhões (o equivalente a R$ 1,5 bilhão) em duas contas entre 2000 e 2003.
O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal, decretou a prisão porque os dois fizeram as remessas ilegais quando já eram réus em outro processo criminal’.

24 de dezembro de 2006


‘Suíça investiga doleiros no caso Parmalat


Procuradoria do país suspeita de que tenham remetido ilegalmente recursos, contribuindo para a quebra da empresa no Brasil
Investigação já solicitou ao governo dos EUA quebra do sigilo de uma série de contas supostamente abertas em Nova York por doleiros


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Procuradoria Geral de Justiça da Suíça decidiu investigar doleiros brasileiros sob a suspeita de que eles ajudaram a retirar recursos que acabaram por quebrar a Parmalat no Brasil. Os suíços suspeitam de que dois bancos daquele país serviram para lavar dinheiro desviado da filial brasileira da Parmalat italiana.
Os recursos ilegais da Parmalat que passaram pelos bancos suíços podem chegar a 1 bilhão (cerca de R$ 2,8 bilhões), segundo estimativa feita pela procuradoria. Não dá para saber, no estágio atual da investigação, qual foi o percentual desse valor que saiu da filial brasileira da Parmalat.
A Parmalat que opera hoje no Brasil não tem nada a ver com a empresa italiana. Está em processo de recuperação judicial e paga royalties para usar a marca’.