No artigo “Na mídia, o fim da reeleição apenas começou”, de 14 de abril [http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id
={80D32F9E-8594-4757-9EC5-DFA544ECB225}&id_blog=3] escrevi que os jornais precisam debulhar a questão: “Depois de três ciclos reeletorais, no que o modelo foi bom e no que não foi? Sob o atual sistema, os dois presidentes de turno se deram bem, assim como a maioria dos governadores e prefeitos. Será que já existem elementos para dizer se, tudo somado e à parte quaisquer outros fatores, foi bom também para o povo nas 27 unidades da Federação e nos 5.600 municípios do país?”
A editora política e colunista do Valor, Maria Cristina Fernandes, foi aos fatos, ouviu quem de direito e tirou as suas conclusões no artigo de hoje “O casuísmo da década”. Leiam:
O fim da reeleição é a proposta mais casuística surgida no país desde a aprovação da emenda há dez anos. A intenção de fazê-la valer para os próximos a serem eleitos, ao contrário do que aconteceu na implantação da reeleição, não causa menos espécie. A proposta é antes um meio de acomodar interesses pessoais de uma geração em que sobram ambições e falta vocação para trabalhar em benefício das instituições políticas do país.
Nenhum dos argumentos dos que defendem que se retire o direito à recandidatura se sustenta. A maior parte deles parte de uma visão paternalista sobre o eleitor, que seria facilmente manipulado pelos detentores de cargos públicos. Os números previnem o sofisma de quem levanta a bandeira em nome das salvaguardas democráticas. A eles:
‘Os poderes do Executivo são tão grandes que anulam as chances da concorrência‘
Não há dúvidas de que a permanência no cargo facilita a exposição pública dos postulantes à reeleição. Isso pode até alimentar a discussão sobre a desincompatibilização nos seis meses que antecedem a disputa, mas está longe de transformar o instituto numa recondução mandatória. Esse sofisma tem por base as duas reeleições para presidente da República e despreza o que aconteceu nas cinco já ocorridas desde 1998 em 27 estados e 5.564 municípios.
A análise do que aconteceu no conjunto desses casos mostra que não é fácil ficar mais do que quatro anos no cargo. Apenas metade dos governantes são reeleitos. O dado leva em conta que, em média, apenas sete em cada dez governantes julgam-se em condições de popularidade para postular uma recondução. Desses que se recandidatam, também sete, em dez, se reelegem.
‘Para conquistar a reeleição, os governantes gastam mais do que devem e infringem os ditames da responsabilidade fiscal‘
O professor do Departamento de Economia do Ibmec, Maurício S. Bugarin, em parceria com dois outros pesquisadores (Fernando Meneguin e Alexandre Carvalho) montou um modelo matemático para testar a hipótese de que os reeleitos são administradores mais perdulários. O estudioso levantou o desempenho fiscal de governadores e prefeitos reeleitos e concluiu que a reeleição os incentiva a não se endividar excessivamente no primeiro mandato.
Os estudos de Bugarin, que levaram em consideração os governos dos 27 Estados e de 4.098 municípios dos quais há informações fiscais confiáveis, mostram ainda que quanto maior a receita per capita do município maior a probabilidade de o prefeito ser reeleito. Esta probabilidade aumenta ainda mais se essa elevação de receita for obtida sem elevação da carga tributária.
O eleitor também demonstra discernimento sobre os gastos públicos. Nos municípios que elevaram suas despesas de custeio a probabilidade de reeleição cai. Por outro lado, naqueles em que há mais investimentos públicos, cresce a possibilidade de o governante ser reconduzido. O eleitor, conclui Bugarin, pune quem aumenta a máquina e premia quem faz obras desde que com responsabilidade fiscal.
‘A reeleição favorece a permanência de governantes corruptos no cargo‘
Esta é outra falácia a partir do pressuposto de que o eleitor simplório premia quem lhe rouba. Um estudo de dois pesquisadores – Claudio Ferraz (Ipea) e Frederico Finan (Universidade da Califórnia) – com base nas auditorias feitas pela Controladoria-Geral da União nos municípios, mostra que a probabilidade de o eleitor vir a reeleger um prefeito é inversamente proporcional à quantidade de infrações encontradas pela CGU. Esta relação é ainda mais acachapante nos municípios com rádios locais.
A mera divulgação das auditorias antes das últimas eleições municipais reduziu em 20% a probabilidade de reeleição de prefeitos acusados. Nos municípios em que se encontraram irregularidades e que tinham rádio local, o índice de reeleição foi ainda 40% menor do que nos demais. Da mesma maneira, quando a auditoria era favorável ao prefeito, as chances de reeleição aumentaram 27%. Quando essa auditoria era divulgada por uma rádio local, o índice subia para 85%.
As eleições de 2002 foram as primeiras, desde a redemocratização, em que a duração dos mandatos se manteve incólume. Eram seis anos na ditadura; caíram para cinco na barganha de José Sarney; depois para os quatro que Fernando Collor – eleito numa indesejável disputa descasada que agora se quer ressuscitar – sequer conseguiu completar; e, finalmente, ficou em quatro mais quatro com a mudança feito com a bola rolando no governo Fernando Henrique Cardoso. No meio de toda essa barafunda produzida pela elite política, o eleitor conseguiu aperfeiçoar o voto como instrumento de controle. Deve ser isto que está a incomodar. A carruagem que quer empurrar a reeleição ladeira abaixo tem o patrocínio irresponsável das cúpulas do PT e do PSDB. Só falta os tribunais superiores se engraçarem com a idéia.
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