Ninguém sabe ao certo quem causou o isolamento da Coreia do Norte na internet mundial durante quase 10 horas na segunda feira (22/12), mas uma coisa já ficou clara: a partir de agora todos os países do mundo estão sujeitos a um blackout cibernético como retaliação política, econômica, religiosa ou criminal. Acabamos reféns de quem controla os circuitos backbone que garantem o fluxo mundial de bits e bytes.
Já não é mais necessário disparar foguetes, deslocar tropas ou espalhar outra vez o terror nuclear. Basta um clique em algum computador misterioso e toda uma nação poderá ficar imobilizada pelo estrangulamento dos canais que asseguram a circulação de dados financeiros, informações meteorológicas, bancos de dados e a segurança pública, só para citar algumas das centenas de sistemas sem os quais o nosso dia a dia, especialmente nas grandes cidades, vira um caos completo.
Um dos sistemas mais afetados na eventualidade de um blackout cibernético é o da informação pública, uma vez que toda a imprensa está hoje vitalmente dependente da internet. Correio eletrônico, Facebook, Twitter, WhatsApp e todos os aplicativos que hoje dependem da internet se tornariam inacessíveis, com consequências fáceis de imaginar.
O episodio da Coreia do Norte mostra a nova cara dos conflitos por interesses políticos e econômicos no planeta. Paradoxalmente, o crescimento da internet acabou pulverizando o sonho dos criadores da rede mundial de computadores, que a conceberam para impedir que o sistema planetário de comunicações fosse destruído por um ataque nuclear. O pai da web, o britânico Timothy Berners-Lee, e todos os demais visionários da década de 1960 achavam que a descentralização garantiria a sobrevivência das redes virtuais por meio de circuitos interligados: se um deles fosse destruído, os demais continuariam intactos.
A descentralização alimentou o sonho de uma internet sem controle hierárquico, sem um presidente e livre de regulamentos rígidos. Mas isso parece cada dia mais ameaçado porque a dinâmica das relações econômicas mundiais ainda continua dependente da centralização globalizadora. O contexto político no qual a internet está inserida também é altamente hierarquizado, apesar da existência de dissidentes como o Wikileaks e os crackers (fanáticos pela tecnologia e defensores de um anarquismo cibernético) que insistem em desafiar o controle verticalizado.
O blackout na internet norte-coreana pode acabar fortalecendo a tendência à balcanização do universo digital com a criação de redes nacionais independentes. Trata-se de uma ideia alimentada por regimes autoritários em várias partes do mundo, porque lhes permite controlar o fluxo interno de mensagens entre usuários da internet, rompendo com o princípio da descentralização sonhado pelos criadores da rede. Mas a balcanização cibernética enfrentará fortes reações das principais empresas da web, como Google e Facebook, cujo sucesso financeiro e corporativo depende justamente de uma internet sem fronteiras.
Usar a internet como arma de guerra é relativamente fácil e sem o ônus do derramamento de sangue presente em todos os conflitos bélicos ao longo da história. As vítimas acabam sendo enquadradas no jargão “danos colaterais”, que só aparecem no médio e longo prazos, e que podem ser facilmente associados a outras causas. Mas a decisão estratégica de usar esse recurso cibernético pode acabar se constituindo num suicídio político e econômico, pois o mundo atingiu um grau de interligação entre nações, organizações, empresas e indivíduos inédito na história da humanidade.