Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ciclo dos mensalões põe grandes jornais brasileiros diante de dilema

Depois do mensalão do PT vieram os do PSDB e agora o dos Democratas, no governo do Distrito Federal. Todos os três seguem mais ou menos o mesmo script mostrando que o uso do suborno em dinheiro é generalizado e, mais do que isto, virtualmente institucionalizado, porque os acusados e suspeitos reagem como se não estivessem cometendo um delito. Simplesmente tiveram o azar de serem flagrados.


 


O ciclo dos mensalões mostra também que, como a prática é generalizada, há um farto material disponível para retaliações, denúncias anônimas e deduragem a granel. Alimenta igualmente a engrenagem denuncista da mídia, que se transformou no palanque ideal para ajustes de contas entre desafetos políticos.


 


Para o leitor de jornais, a sucessão de mensalões deixou de provocar escândalo e indignação para gerar uma coisa muito pior: indiferença. É o sintoma de que a política e os políticos já não representam quase nada para a população, tal o grau de degradação moral a que chegaram os nobres deputados e senadores.


 


Passamos a olhar Brasília como uma espécie de circo onde atores canhestros procuram fazer de conta que trabalham para o eleitor quando, na realidade, preocupam-se apenas com a manutenção do próprio emprego e a ampliação de seu patrimônio.


 


Neste circo, a mídia é um coadjuvante pouco expressivo porque se limita a oferecer os microfones, câmeras e manchetes para que a troupe de excelências promova a pantomina de sempre, trocando acusações descontextualizadas que, em geral, acabam em nada.


 


A indiferença do leitor é o sintoma de cansaço com a sucessão de escândalos nos poderes Legislativo e Executivo, onde quotidianamente alguém acusa alguém de algo só para aparecer na mídia. Pura performance.


 


Os jornais acham que estão prestando um serviço ao leitor ao afogá-lo com informações, vídeos, gravações e fotos sobre atos ilícitos cometidos por funcionários públicos, parlamentares e governantes. Só que o público passou a rejeitar também a imprensa porque começou a vê-la como uma ferramenta inútil para mudar o estado de coisas.


 


O que a imprensa parece não ter percebido é que o tão falado “mar de lama”  na política tupiniquim já foi longe demais. Os editoriais dirão que não cabe à imprensa mudar as coisas, simplesmente noticiar o que está acontecendo. Mas o público quer mudanças e se não encontra elementos na imprensa para ajudá-lo nesta busca, vai seguramente procurar noutro lugar.


 


A desilusão do publico com os políticos se soma à queda nos índices de circulação dos jornais. Se estes insistirem na estratégia de usar a política como forma de tentar manter sua participação no jogo do poder, podem se afastar ainda mais do público, agravando o seu déficit de receita com venda avulsa.


 


A sucessão de denúncias e escândalos de certa forma criou anticorpos no leitor, que não se impressiona mais com as maracutaias em Brasília. Uma forma de reconquistar a atenção do público seria identificar-se com o desejo de mudança, mas é aí que as redações tropeçam na inércia das suas direções.


 


Os laços com a elite político-partidária do país são fortes demais para serem rompidos repentinamente. Os jornais pareciam esperar que os eleitores fizessem a mudança, via urnas, para buscar depois uma reacomodação com os novos mandantes. Foi assim no início do governo Lula, mas quando o establishment brasiliense percebeu que a tendência era o fortalecimento do ex-metalúrgico, ficou difícil resistir à tentação conservadora.