Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O debate contaminado

Na sua coluna semanal no Valor desta segunda-feira, 11, o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, pega o pião à unha.


Ele critica a atitude da Folha de S.Paulo diante da proposta de reforma eleitoral que prevê a adoção do voto em lista fechada e o financiamento público exclusivo das campanhas.


É a primeira voz a se levantar nos jornais impressos contra a “ira e sarcasmo” com que a Folha trata o assunto – em editorial e em colunas assinadas, que o diário, para reforçar a sua posição, cuida de chamar na primeira página.


A propósito, leia neste blog o artigo “O debate interditado”, de sexta-feira passada.


Diga-se desde logo que nem toda a imprensa ataca furiosamente o projeto. O Globo, por exemplo, publicou domingo um editorial contrário à iniciativa, mas sem descambar para o xingatório que confunde o leitor, já ouriçado com o Congresso pelo que as suas excelências aprontam.


Além disso, como às vezes tem a boa ideia de fazer sob a rubrica “Outra opinião”, o jornal publicou logo abaixo do editorial um artigo do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) favorável à proposta.


Diga-se desde logo também que o problema não está em um jornal ou um colunista reprovar a pretendida mudança das regras eleitorais – ou seja lá o que for. O problema é desinformar o público movendo uma campanha de desmoralização daquilo a que se objeta.


É perfeitamente sustentável, por exemplo, opor-se ao uso de dinheiro público para financiar disputas eleitorais. Beira a desonestidade intelectual, no entanto, dizer que, implantado o novo modelo, o eleitor vai pagar para votar.


Em editorial que manifesta ceticismo sobre as chances do projeto, mas não só não o estigmatiza, como ainda lembra a sua (longa) história, o Estado de segunda (11) nota que “as críticas mais estridentes ao voto em listas fechadas fazem lembrar a propaganda contrária ao parlamentarismo no plebiscito de 1993”.


Foi quando se dizia – “caricatamente”, segundo o jornal – que as elites queriam tirar o direito do povo de eleger o seu presidente.


É o que está explícito quando se escreve que a proposta quer cassar o direito dos eleitores de escolher diretamente os seus candidatos a deputado e vereador.


Ou quando se faz uma ligação que chega ao limite da irresponsabilidade jornalística entre o quorum mínimo (129 deputados) para aprovar um projeto de lei comum como esse e o número de parlamentares (pelo menos 262) que patrocinaram viagens ao exterior para a parentela e a corriola.


Ou ainda quando, no mesmo fôlego, se desanca o voto em lista fechada no Brasil e se menciona, sem nenhuma sombra de crítica, que a regra é seguida na Alemanha, que adota o impropriamente chamado sistema distrital misto, em vez de sistema eleitoral misto. Ali, o eleitor escolhe um candidato no seu distrito e um partido pela lista fechada.


Salvo engano, aliás, nenhuma opinião publicada na grande imprensa contra a mudança se deu até agora o trabalho de mencionar como essas coisas – lista aberta, lista fechada, lista flexível – vigoram nos países cujas câmaras legislativas são formadas pelo critério da proporcionalidade dos votos.


Outra forma de desinformar é dizer que a reforma só leva em conta o interesse dos políticos e não os do eleitor. Como se, para o bem ou para o mal, o desempenho de um Legislativo eleito mediante listas fechadas, proibidas as doações para candidatos e partidos, não fosse de interesse do público votante.


A ideia por trás do sofisma é negar legitimidade a este Congresso para modificar as regras – patentemente viciadas – do jogo eleitoral.


A isso responde o cientista político Fábio Wanderley Reis, no artigo citado na abertura deste texto. “É ilusório”, argumenta, “contar com que nosso eventual avanço institucional venha a resultar, sem mais, em parlamentares nobremente motivados a discutir com competência e isenção os problemas do país”.


Ele sugere que “a duradoura face negativa da realidade política brasileira” deveria, ela própria, incentivar a imprensa a dar mais espaço à discussão e ao esclarecimento das dificuldades que envolvem, nas palavras da Folha, o campo “técnico e polêmico” das reformas institucionais.


Do ângulo do comportamento da mídia, a palavra-chave nesse raciocínio é “esclarecimento” – que a imprensa, para variar, deve aos leitores.


Wanderley Reis defende as listas fechadas e o financiamento público exclusivo. Mas há entre os seus colegas quem pense o oposto e, ainda assim, concorde com ele nesse ponto essencial que põe em evidência o mau jornalismo aplicado à política:

“É lamentável que as circunstâncias contaminem tão negativamente o debate dos problemas. E que a imprensa bem-pensante seja, de mais de uma forma, o instrumento desatento dessa contaminação.”


Inculta, bela – e desfigurada


O que se anda fazendo nos jornais com a língua portuguesa é de chorar.


Outro dia, saiu no Estadão um ‘embedar’. É uma macacique do inglês embed – este, por sua vez, neologismo dos milicos americanos para ‘integrar’: os correspondentes que cobriam a invasão do Iraque estavam embedded nos batalhões invasores.


Logo depois, a Folha perpetrou um ‘rotaciona’. O redator queria dizer ‘alterna’.