Produzir uma reportagem está ficando cada vez mais difícil e a complicação tende a aumentar ainda mais se levarmos em conta que a avalancha informativa gerada pela internet não para de crescer. Este é talvez o mais angustiante desafio enfrentado pelo jornalismo contemporâneo, cujas rotinas e valores surgiram numa era em que tudo era mais simples, porque bastava identificar os bons e os maus numa notícia.
A maioria absoluta das reportagens publicadas na imprensa dificilmente consegue uma unanimidade de pontos de vista. Isto já era comum nos tempos pré-internet quando os jornais, por exemplo, eram uma fonte insubstituível de notícias. Mas agora a maioria das notícias vira pretexto para polêmicas, nem sempre amenas, que envolvem todos os canais de comunicação, sem falar no crescente protagonismo do público. O consenso parece utópico porque somos confrontados diariamente com uma quantidade cada vez maior de percepções e pontos de vista diferentes, trazidos pela Babel eletrônica, na internet.
O trabalho dos jornalistas, nessas circunstâncias, tornou-se extremamente difícil porque é impossível reproduzir as diversas versões de um mesmo fato, mesmo filtrando as mais verossímeis e relevantes. Os profissionais da imprensa foram treinados para serem os porta-vozes da verdade, objetividade, isenção e exatidão, objetivos que a cada dia parecem mais longínquos e inalcançáveis.
Nós jornalistas, vivemos uma situação quase esquizofrênica. Nossa formação nos empurra para analisar os dados, fatos e eventos com a preocupação central de identificar quem é o bom e quem é o mau; o que é justo e o injusto, o legal e o ilegal. Mas a realidade nos impõe um quadro diferente diante do qual ficamos perplexos – e a tendência é nos refugiar no terreno que consideramos seguro e conhecido. Mas como o mundo caminha na direção da complexidade, da mutação constante e da diversidade, acabamos sendo levados a criar um mundo próprio onde conseguimos exercer a nossa profissão com um mínimo de segurança e estabilidade.
É por isso que a imprensa acabou optando, entre outras razões, por cobrir o dia a dia dos acusados no mensalão em vez que trazer para a discussão pública o submundo do caixa 2 nas campanhas eleitorais. A cobertura do julgamento dos acusados foi feito de acordo com os mesmos princípios dicotômicos da justiça brasileira, onde o essencial é buscar culpados que possam transmitir para a sociedade a impressão de que o problema está resolvido, e que agora podemos dormir em paz porque não há mais superfaturamento e lavagem de dinheiro.
Mas quando admitimos a complexidade dos fatos e versões, verificamos que a situação é bem diferente. Estamos entrando numa nova campanha eleitoral e os indícios são de que tudo continuará como antes, porque sem caixa 2 fica quase impossível financiar campanhas eleitorais. O chamado “por fora” tornou-se estrutural na política brasileira e não um desvio temporário de conduta. É este o fato que deveria preocupar a sociedade e não se José Dirceu vai ganhar dois ou vinte mil reais num emprego, ou se o coração de José Genoino precisa de cuidados especiais ou não.
Discutir se um preso tem direito ou não a prisão domiciliar é simples e fácil porque só há duas posições: contra ou a favor. Já investigar e denunciar a prática do caixa 2 e da lavagem de dinheiro implica avaliar situações e comportamentos em que às vezes é quase impossível separar o legal do ilegal, o que é socialmente aceitável ou inaceitável, até onde vai a ética e a transparência.
O mundo criado pelas manchetes de jornais, revistas e telejornais está cada dia mais distante do mundo real das pessoas na rua. Elas se mostram igualmente perplexas com a complexidade dos fatos, dados e eventos. A tendência na população é dar cada vez menos atenção à agenda da imprensa e concentrar-se no seu bairro, sua rua ou associações. Surge aí a tentação também de criar um ambiente exclusivo, delimitado pelas informações locais e hiperlocais.
O espectro da uma fragmentação informativa, que já foi comprada a um apartheid noticioso, reforça o desafio criado pela complexidade do mundo contemporâneo ao exercício do jornalismo. É inútil ignorar a mudança, pois isto só atrasa a reformulação de rotinas e valores da profissão, além de prolongar a crise no modelo de negócios das empresas de comunicação jornalística.