O juiz substituto Ruiteberg Nunes Pereira, do Juizado Cível de Brasília, acaba de dar uma lição de respeito ao direito à informação por parte do cidadão comum. Ao negar um pedido de indenização feito por uma funcionária pública do Senado Federal que teve seu salário divulgado pelo site Congresso em Foco, o juiz criou um precedente que pode anular 43 outros pedidos semelhantes feitos por servidores do Congresso Nacional.
O que impressiona no episódio não é tanto a decisão do magistrado, mas a ousadia dos funcionários do Senado que se acham no direito de impedir a divulgação de salários pagos com os nossos impostos. O pedido de indenização por danos morais no valor de 21,8 mil reais é irrelevante em termos individuais porque significa pouco no orçamento de servidores cujos salários oscilam em torno dos 15 mil reais mensais, em média.
Caso a decisão do juiz Ruiteberg Pereira seja revertida por instâncias superiores ou por outros juízes, isto significará a inevitável morte do site Congresso em Foco, uma das raras fontes de informação sobre o mundo e o submundo do Congresso Nacional.
Caso todos os pedidos se indenização sejam aprovados, isto somaria mais de 1 milhão de reais — e aí o site criado em 2004 pelos jornalistas Sylvio Costa e Eduardo Sardinha não teria condições de sobreviver ao garrote financeiro imposto por um grupo de servidores, que coloca seus interesses pessoais acima da transparência no exercício de funções remuneradas com dinheiro público.
O corporativismo dos funcionários que tiveram seus salários expostos à opinião pública ficou evidente no fato de a ação ter sido patrocinada pelo Sindilegis, o sindicato dos funcionários do Poder Legislativo federal. O processo judicial aberto pelo grupo de servidores do Senado foi uma resposta à informação publicada pelo Congresso em Foco de que o Tribunal de Contas da União (TCU) havia detectado que 464 deles haviam recebido pagamentos mensais de até 42 mil reais, em 2009, numa violação da lei que estabelece que nenhum servidor funcionário publico pode ganhar mais do que os R$ 24.500,00 pagos a um ministro do STF.
A ação do Sindilegis em nome de 44 funcionários não contesta as afirmações do TCU e se limita a alegar que a divulgação do fato causou constrangimentos morais aos servidores. E aqui está o fato grave, porque invoca o duvidoso argumento do constrangimento moral para tentar impedir a divulgação de um fato delituoso em que as verdadeiras vítimas somos nós, os contribuintes.
O episódio revela até que ponto alguns funcionários do Senado Federal passaram a encarar suas funções como um privilégio acima de qualquer suspeita, tanto que consideram a prestação pública de contas uma modalidade de constrangimento moral. Trata-se de uma grave distorção do exercício da função pública, porque ignora que o cidadão comum, entre eles os leitores do Congresso em Foco, têm o direito de exibir transparência nos gastos públicos.
O juiz Ruiteberg Nunes Pereira cumpriu a sua missão ao negar um pedido de indenização e indicar que todos os 44 processos deveriam ser aglutinados num só e rejeitados em bloco. Esta é uma decisão que ainda não foi tomada e portanto o caso continua em aberto. Cabe agora a nós fazer a nossa parte, como beneficiários do direito à transparência nos gastos públicos, e impedir que a questão acabe em pizza. Não se trata apenas de rejeitar o pedido de indenização, mas principalmente de impedir que os pagamentos exorbitantes continuem a ser feitos sob o manto protetor do silêncio dos senhores deputados federais e senadores.