Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Distanciamento do público desafia o jornalismo local

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, que provavelmente apontaria resultados parecidos no Brasil, mostrou que em matéria de noticiário local há uma grande distância entre os moradores e a imprensa na maioria das cidades. A investigação realizada pelo Pew Research Center, a mais prestigiada instituição de pesquisas sobre comportamentos e opinião pública nos Estados Unidos, revelou que apenas 10% dos moradores das três cidades estudadas tiveram algum contato com a imprensa nos últimos 12 meses.

O dado revela uma situação preocupante, especialmente para a imprensa local, porque evidencia uma falta de envolvimento e confiança mútuos entre profissionais e seu público no debate de temas comunitários. A relação entre jornalistas e moradores acaba sendo marcada por interesses alheios à busca de soluções para problemas, necessidades e desejos da comunidade. A pesquisa mostrou também que a população das cidades estudadas – Denver (Colorado), Macon (Georgia) e Sioux City (Iowa) – mantém uma relação igualmente distante com os governos municipais.

A pesquisa norte-americana indicou que metade dos habitantes das cidades investigadas discute regularmente temas comunitários. Isso revela como as questões locais são importantes para as pessoas, só que elas preferem mais discutir entre si do que compartilhar preocupações com a imprensa e com os governantes. Quando a questão chega a um nível decisório, as autoridades e os jornalistas entram em cena, mas nesta fase o processo já entrou numa fase de uso de pressões e contrapressões. A fase de formatação de uma necessidade ou desejo ocorre à margem da imprensa e dos administradores.

A falta de engajamento dos jornalistas com os temas das comunidades onde estão inseridos prejudica a qualidade na produção de notícias não só porque há uma identificação tardia das questões de interesse coletivo como também porque a falta de confiança e de proximidade humana dificultam a espontaneidade das fontes de informação.

O distanciamento dos jornalistas em relação às comunidades é hoje um dos grandes dilemas enfrentados pela maioria dos jornais de pequenas e médias cidades, conforme revela o trabalho do ex-jornalista e professor Jake Batsell no seu livro Engaged Journalism Connecting with Digital Empowered Audiences, lançado há 30 dias pela Columbia University Press. Segundo o autor, a maioria esmagadora dos profissionais do jornalismo foi formada para falar aos leitores, em vez de com os leitores. A narrativa jornalística tem mais características de um discurso, ou aula, do que uma conversa, uma troca de informações.

O discurso jornalístico foi uma exigência das limitações tecnológicas da imprensa antes do surgimento da internet e da digitalização. A transmissão de notícias era centralizada e as formas de interação entre jornalistas e o público eram restritas a diálogos telefônicos, conversas pontuais ou cartas para jornais, rádios e emissoras de TV. Hoje tudo isso mudou. As redes sociais e a comunicação móvel (celulares e smartphones) abriram um espaço gigantesco, barato e imediato para a troca de dados, versões e opiniões.

Os jornalistas incorporaram as novas tecnologias como uma ferramenta para divulgar o seu trabalho, mas ainda não as assumiram como uma forma de interagir com o seu público para identificar problemas, necessidades e desejos. Também estão demorando muito para descobrir que o engajamento com a comunidade lhes facilita fontes de informação com um grau de confiabilidade muito maior do que numa relação entre estranhos.

A maior resistência dos profissionais às novas formas de relacionamento com leitores, ouvintes e telespectadores está na questão da isenção, um princípio que foi incorporado aos manuais de redação na primeira metade do século passado como uma reação à onda de jornais sensacionalistas, mais conhecidos como “imprensa marrom”. A isenção era uma forma de tentar preservar a credibilidade, mas hoje a situação é bem diferente.

A nova conjuntura social gerada pelas novas tecnologias de informação e comunicação torna necessária uma relativização dos princípios da isenção e da objetividade no exercício do jornalismo. Nenhum dos dois pode ser visto de forma absoluta sem levar em conta o contexto da informação jornalística. O profissional precisa estar integrado ao meio social onde exerce a sua profissão justamente para poder trabalhar melhor, informar melhor e principalmente orientar melhor as pessoas. O jornalista é um profissional especializado em lidar com a informação, por isso tem melhores condições de identificar um boato, rumor, mentira por omissão, indução de opiniões e de difamação.

O crescimento do jornalismo em comunidades não é uma exclusividade norte-americana. Ele ocorre em todo o mundo como um desdobramento das mudanças provocadas pela internet na comunicação jornalística em todo o mundo. Mas ele ainda é uma grande incógnita porque inevitavelmente não poderá seguir o modelo da imprensa local tradicional, cuja sobrevivência está ameaçada pela avalancha de informações nas redes sociais e na comunicação móvel. Para explorar a nova realidade da imprensa local é obrigatório pesquisar e experimentar muito, coisa que nós aqui no Brasil, salvo a exceção do projeto Grande Pequena Imprensa, do Instituto Projor, ainda não começamos a fazer.