Antes, diante de alguns comentários de leitores sobre suposta tendência governista, petista, lulista ou coisa que o valha deste Contrapauta, cabe lembrar que o propósito do trabalho resume-se a monitorar meios de informação com o objetivo único de colaborar para a melhoria da qualidade do jornalismo praticado no Brasil. No entanto, o jornalista-responsável por este blogue está ciente de que possíveis desvios de interpretação são inevitáveis – por que não dizer, naturais ? – uma vez que a matéria-prima de todo o processo consiste em informação e opinião.
Procurando manter, portanto, o espírito acima, a postagem de hoje vai tratar da qualidade do trabalho jornalístico – pelo segundo dia consecutivo – do O Estado de S.Paulo.
Mais uma vez, o jornal brasileiro mais ligado historicamente ao setor agropecuário traz a melhor cobertura sobre o tema. Das onze reportagens que traz hoje – de novo, a maior quantidade de páginas entre os jornais mais influentes do Brasil – a reportagem assinada por Sergio Gobetti, ‘Dados indicam descaso do governo’, põe os pingos nos ii sobre a atribuição de responsabilidades e sobre o corte dos recursos destinados à vigilância sanitária.
A reportagem tem como lastro os números do Siafi (Sistema Integrado de Administrração Financeira), programa com o qual o Tesouro Nacional monitora os gastos do governo, e informa:
‘O Ministério da Agricultura relaxou no controle sanitário das fronteiras do Brasil, mostram dados do Siafi. Entre 2000 e 2002, o Executivo federal gastou em média R$ 39,4 milhões por ano na fiscalização do trânsito internacional e interestadual de animais e vegetais. Nos dois primeiros anos da administração Lula, essa média caiu para R$ 21,1 milhões e, em 2005, o investimento nessa rubrica até 10 de outubro não passava de R$ 2,2 milhões.
‘Uma das hipóteses levantadas pelos técnicos para o foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul’, continua, ‘é que ele tenha sido provocado por animais contrabandeados do Paraguai. Essa suspeita é coerente com os números das verbas aplicadas na vigilância de fronteiras com outros países. No caso do trânsito de animais, por exemplo, a fiscalização internacional recebeu R$ 311.846 este ano e R$ 443.599 em 2004, ante R$ 3.557.505 em 2002 e R$ 3.553.183 em 2001 – quase 10 vezes mais’.
O trecho que esclarece em definitivo se o Ministério da Agricultura pôde ou não realizar o trabalho que se esperava por causa do contigenciamento de verbas determinado pelo Ministério da Fazenda, diz o seguinte:
‘O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, chegou a responsabilizar a área econômica pela carência de verbas da Secretaria de Defesa Agropecuária, mas, na verdade, ele também tem culpa pela situação.
Os números do Ministério do Planejamento mostram que Rodrigues sofreu, no início do ano, um bloqueio de 43% dos recursos previstos no seu Orçamento (R$ 1,17 bilhão). Coube ao ministro escolher onde cortar e ele acabou sacrificando proporcionalmente mais a área de defesa agropecuária, que perdeu 79% dos recursos orçados. Só recentemente essa situação começou a ser contornada, com novas liberações por parte do Ministério da Fazenda, que não chegaram a tempo de evitar o problema’.
Como se vê, o trecho da reportagem reproduzido acima só faz confirmar os gravíssimos problemas de competência administrativa e de gestão do governo federal. Pior ainda: as idas e vindas da burocracia de Brasília referem-se a um problema que não nasceu ontem – muito pelo contrário. O que a reportagem de Sérgio Gobetti mostra é que a preocupação do governo com a aftosa limitou-se ao combate do foco anterior.
‘Na erradicação da febre aftosa foram usados (liquidados, na linguagem orçamentária) apenas R$ 2,74 milhões em 2005, até outubro – R$ 2,16 milhões especificamente em um foco surgido no Pará’, esclarece a reportagem. Isso quer dizer que, em percentuais, quase 80% destinaram-se a combater a aftosa em uma única região que, de quebra, tem interferência próxima a zero quando comparada com os números gerais da agropecuária e da produção de carne no país.
O que se pode acrescentar – e que a reportagem superficialmente indica – é que a falta de controle desarma o país diante de novas ameaças sanitárias. A prevenção de outras doenças de bovinos, como a raiva, a tuberculose, a brucelose e a encefalopatia espongiforme (doença da vaca louca), que receberam pouco mais de R$ 500 mil neste ano, segundo ‘técnicos que acompanham o Siafi’, diz ainda O Estado, mostram que ‘o governo estava despreocupado em relação aos riscos de um foco de febre aftosa. Tanto que, no meio da dita escassez de recursos’, reforça, ‘priorizou gastos menos urgentes, como o pagamento da contribuição brasileira ao Centro Panamericano de Febre Aftosa, no valor de R$ 2,17 milhões. Outros R$ 18 milhões de ‘crédito extraordinário’ concedido ao Ministério da Agricultura, segundo os números apurados pela assessoria do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS-DF), foram gastos principalmente com viagens e aquisição de veículos. ‘Entre 2004 e 2005, já foram gastos R$ 4,5 milhões na aquisição de 114 automóveis, sendo 82 da marca Volkswagen e 32 Nissan, com tração nas quatro rodas’.