Só depois de três semanas da primeira matéria publicada sobre o preparo, na Casa Civil da Presidência da República, de uma relação de gastos palacianos pagos com cartões corporativos no governo anterior, sai na imprensa uma informação objetiva que permitiria caracterizar como dossiê e não como banco ou base de dados o produto da atividade dos subordinados da ministra Dilma Rousseff.
A informação, que sempre esteve ao alcance de qualquer interessado, jornalista ou não, é o texto do decreto 4.553, assinado – significativamente, quem sabe – pelo então presidente Fernando Henrique, a 5 dias de entregar a faixa ao sucessor Lula da Silva.
O decreto é citado no miolo da matéria da Folha de hoje que atribui ao delegado Sérgio Menezes, da Polícia Federal, a convicção de que o que se fez no Palácio do Planalto chama-se dossiê.
Segundo a Folha, ele teria comentado com terceiros que a organização da papelada em planilhas, cujo vazamento a PF investiga, desrespeitou o decreto que dispõe da “salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da administração pública”.
Se algum repórter tivesse tido a curiosidade de apurar o que existe na legislação aplicável ao caso, o público pagante não dependeria das declarações do delegado Menezes “a interlocutores”, conforme a Folha, para finalmente saber do decreto e tomar conhecimento de duas passagens essenciais do seu texto:
1. O decreto determina a criação, nas entidades e órgãos públicos, de comissões permanentes de Avaliação de Documentos Sigilosos que, entre outras atribuições, devem “analisar e avaliar periodicamente a documentação sigilosa produzida e acumulada no âmbito de sua atuação”;
2. O decreto estipula que “todo aquele que tiver conhecimento […] de assuntos sigilosos fica sujeito às sanções administrativas, civis e penais decorrentes da eventual divulgação dos mesmos”.
Por falta de informação, além disso, ninguém perguntou à ministra Dilma, na coletiva com ela, há 11 dias, se existia na Casa Civil a comissão permanente exigida pelo decreto 4.553, quando se começou a organizar ali o “banco de dados” sobre gastos com cartão no governo FH, e se todos os procedimentos seguidos desde então lhe foram fiéis.
Enfim, alguém poderia tentar “recuperar”, como se diz, a história desse decreto para descobrir, entre outras coisas, se o seu teor foi negociado pelos condutores da transição entre o governo que se ía e o que vinha para o seu lugar.
Segundo uma versão consagrada em Brasília já à época, a transição envolvia um pacto, menos ou mais explícito, de que a administração Lula não iria cavoucar a de FH em busca de maracutaias, e a nova oposição deixaria o homem trabalhar em paz – que foi basicamente o que aconteceu no seu primeiro ano de mandato.
[A íntegra do decreto está aqui.]