Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fio da faca

Um artigo, com o título de primeira, ‘A imprensa no tribunal’, e uma enquete, ‘Atuação do STF e da mídia divide opiniões’, ambos na Folha de hoje, mantêm viva, para o bem do leitor, a questão da alegada influência dos meios de comunicação no resultado do julgamento preliminar sobre o mensalão, que transformou em réus todos os 40 indiciados pelo procurador-geral da República.


A questão, cuja importância é impossível subestimar, foi provocada pelos dizeres do ministro Ricardo Lewandowski, numa conversa ao celular, ouvida por uma repórter da Folha. Segundo ela, o ministro falou que o Supremo votou ‘com a faca no pescoço’. Depois, em entrevistas aos três jornais nacionais, o juiz disse que não foi bem isso – ele é que se sentiu com a faca no pescoço, mas, ainda assim, votou como achou que devia. Ou seja, a faca podia ter ponto, mas fio não tinha.


O repórter Frederico Vasconcelos procurou 32 ‘personalidades’ [por que não pessoas?] entre magistrados, procuradores e advogados. Para 11 deles, a imprensa influiu, sim, na decisão. Para outros 11, não. E 10 preferiram não se manifestar.


O texto não é propriamente a mais excitante das leituras: saiu uma colagem de opiniões, aspas atrás de aspas – mas o leitor interessado nelas encontrará material para ao menos saber como um certo número de operadores do direito encara o assunto – o que, à parte qualquer outra consideração, vem calhar, dadas as circunstâncias. De mais a mais, já que estamos no mundo do Judiciário, quid abundat non nocet.


A meu ver, a avaliação mais original foi a do juiz Marcos Salles, presidente da Associação dos Magistrados da Paraíba. Para ele, a cobertura maciça da mídia teve um efeito salutar. Nas suas palavras:


‘Os ministros passaram a ser acompanhados e, de certa forma, protegidos de assédio dos grupos políticos que desejavam influenciar o caso.’


Esse raciocínio vai ao encontro do princípio de que uma das funções da imprensa é funcionar como o sol. Quanto mais alto no horizonte, menor a zona de sombra para arreglos contra o interesse público em qualquer instância do Estado.


Já o artigo do título sagaz é do colunista Janio de Freitas, cuja íntegra está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0209200711.htm .


O colunista trabalha em cima de declarações dos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes que ele tem razão em dizer que a mídia se limitou a registrar, sem aprofundar. As do primeiro se referem aos e-mails publicados no Globo. As do segundo desdenham, ou assim parece, da ‘opinião dos senhores’ – os jornalistas.


O que leva o colunista a refletir, acertadamente, que ‘o poder, seja qual for a sua forma nas instituições, não é destinação do jornalismo, é objeto dele, é assunto. É para ser ouvido, fotografado, gravado, investigado, esmiuçado – e desvendado para que no conjunto social se formem a consciência de cidadania e suas manifestações’.


Freitas aborda também as palavras que o ministro Lewandowski disse que não disse. Para cobrar dele que esclareça ‘a pressão violentíssima da mídia’ a que o Supremo teria sido submetido e a sua variante ‘as pessoas estavam extraordinariamente submetidas à mídia’.


[Foi o que cobrei dos repórteres que entrevistaram o ministro na seqüência da história, no artigo ‘A mídia de novo no tronco’, em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id=
{9452F304-50BE-4941-AFCE-2FF7424E98D8}&id_blog=3
]


Mais sobre juízes e jornalistas:


1. Duas entrevistas


Hoje, em duas alentadas entrevistas, ao Globo e ao Estado, o ministro Joaquim Barbosa, relator do pedido de pronuncia do procurador-geral contra os acusados de mensalismo, comenta, entre outras coisas, o seu próprio desempenho, afinal amplamente vitorioso.


Correndo o risco de ser o primeiro jornalista a achar que nem tudo o que a mídia quer deve lhe ser concedido, me pergunto se o ministro devia ter dado essas entrevistas, embora tenha motivos para se envaidecer de sua atuação. É bem verdade que algumas perguntas ele rejeitou, mas a questão de fundo é o sábio dito forense de que ‘juiz só fala nos autos’. No caso dos mensaleiros, tem juiz falando muito fora dos autos – e tenho a sensação de que isso não pode fazer mal à Justiça.


2. Duas insinuações


Um colunista pergunta por que o ministro Lewandowski ‘deixou a mesa do restaurante, onde estava com pessoas que conhecia, e foi falar ao celular em outro lugar, perto de desconhecidos?’


Um editorial observa que ele propiciou à mídia ‘a captação a distância de uma longa conversa de celular em meio a ruídos de badalado resturante brasiliense em noite de show’.


Como assim? Será que o ministro queria que desconhecidos – ou não tão desconhecidos assim – ouvissem o que dizia ao celular sobre ‘a faca no pescoço’? E será que a repórter que reproduziu o que ele teria dito não tinha, a rigor, condições de ouvir o que dizia?


Ou muito me engano, ou um dos dois (se não os dois) foram postos sob suspeita.


3. Uma ponderação


Ao final de uma entrevista a Eliane Catanhêde e Silvana de Freitas, da Folha, o novo ministro do Supremo, Carlos Alberto Direito, que toma posse quarta-feira, foi perguntado como via o papel da imprensa nos episódios da divulgações dos e-mails e da conversa ao celular. Deu uma resposta impecável:


‘Não posso responder sobre caso concreto, porque amanhã pode ser necessário que eu venha a julgá-lo. Em tese, a liberdade de imprensa como ação humana está subordinada à responsabilidade civil. Todo aquele que se sente lesado vai ao Judiciário, que vai examinar se houve ou não a lesão. Isso é o princípio da ponderação entre os direitos e garantias individuais e a liberdade de informação.’


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