Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O incerto valor de uma acusação

A prisão de vendedores e compradores de material – uma fita de vídeo, um DVD, uma agenda e seis fotos – que serviria para provar que os candidatos tucanos ao governo de São Paulo e à presidência da República, José Serra e Geraldo Alckmin, tinham parte com o esquema dos sanguessugas tirou o gás da bombástica entrevista-denúncia, na IstoÉ que começou a circular ontem, dos donos da famigerada empresa Planam contra o ex-ministro da Saúde e o seu sucessor, Barjas Negri.


Os vendedores, presos pela Polícia Federal em Mato Grosso, são dois membros da famiglia Vedoin, que subornava deputados federais, senadores e prefeitos para vender ambulâncias superfaturadas: um dos entrevistados da IstoÉ, Luiz Antonio, o filho do capo; e o seu tio Paulo Roberto.


Os compradores, presos em São Paulo, são um empreiteiro filiado ao PT, Valdebran Carlos Padilha da Silva, e um advogado, Gedimar Pereira Passos, que disse estar a serviço do PT. No quarto de hotel onde foram encontrados, havia uma maleta com R$ 1,168 milhão e US$ 248,8 mil, em dinheiro vivo.


O hotel fica perto do aeroporto de Congonhas. Se não tivesse sido preso em Cuiabá, já na escada do avião que o levaria a São Paulo, tio Paulo estaria no hotel minutos depois de desembarcar, e o negócio, presumivelmente, seria fechado também sem perda de tempo.


Às vezes, não apenas o segredo, mas também a rapidez, é a alma do negócio.


Ontem mesmo por sinal, mais depressa do que leva para dizer ‘baixaria’, apareceu na propaganda eleitoral do pemedebista Orestes Quércia a capa da IstoÉ – onde se lê, em maiúsculas, ‘Os Vedoin acusam Serra’ / ´Quando Serra era ministro, foi o melhor período para nós`e, em tipo menor, ‘Os donos da Planam, Darci Vedoin e seu filho Luiz Antônio, que pilotaram a máfia das ambulâncias, denunciam o envolvimento do ex-ministro da Saúde José Serra’, ao lado de uma foto em que ele aparece com a língua meio de fora.


Não há motivo para duvidar da autenticidade da entrevista. Há quantos motivos se queiram para duvidar dos entrevistados – um dos quais, Luiz Antonio, disse o seguinte à CPI das Ambulâncias, em 3 de agosto, quando perguntado por um deputado petista se o ministro Serra recebeu algum tipo de contribuição ilegal da Planam: ‘Com o José Serra, nem legal, nem ilegal, não foi passado nenhum valor para ele.’


E há alguns motivos para suspeitar do que pode estar por trás da entrevista:


1. Luiz Antonio não cobrado pelo repórter Mario Simas Filho pela total contradição entre o que afirmava e o que afirmara à CPI – nem mesmo depois de ele dizer que o esquema de propinas ‘era nítido a todos’, ao responder se o ministro sabia o que havia nos bastidores das fotografadas e filmadas entregas de ambulâncias a que comparecia. 


No mesmo depoimento à CPI, o mesmo deputado petista perguntou a Luiz Antonio que tipo de contato ele teve com Abel Pereira. Ele respondeu: ‘Nenhum’ [além de um encontro com um prefeito mato-grossense em que Abel estava presente]. Ele respondeu também que não sabia de relação entre Abel e Barjas Negri.


À IstoÉ, ele falou:’No final de 2002, em nome do ministro [Barjas], o Abel nos procurou. Em fui a São Paulo, conversei com ele no aeroporto e ele pediu um valor para poder liberar uma série de recursos…’


Ficou por isso mesmo. O repórter não lhe perguntou se mentiu à CPI ou se mentia à IstoÉ. Isso desqualifica a entrevista.


2. A matéria não traz o obrigatório ‘outro lado’. A omissão deixa claro que a revista não se abalou a ouvir Serra e Barjas.


3. A revista IstoÉ tem problemas de credibilidade. Meses atrás, para citar um exemplo, encomendou ao Ibope uma pesquisa com perguntas feitas sob medida para levantar a bola do então candidato a candidato presidencial pelo PMDB, Anthony Garotinho. Depois, publicou pela metade os resultados do levantamento.


4. São notórias as ligações entre Orestes Quércia e o dono da Editora Três, que edita a IstoÉ, Domingo Alzugaray.


É possível que os jornais de amanhã já contem o que a Polícia Federal tiver apurado sobre a origem da dinheirama que compraria o material acusatório – ou difamatório – contra os tucanos.


É imperativo que a mídia vá fundo na história do relacionamento entre Barjas Negri e Abel Pereira, qualquer que seja a avaliação que se faça sobre as versões contraditórias dadas a respeito por Vedoin. Ambos têm pelo menos uma condição em comum – que pode, ou não, significar alguma coisa: são de Piracicaba. Na nota que divulgou ontem à noite, o ex-ministro não nega conhecer Abel, nem indica que relação há ou possa ter havido entre ambos. Apenas afirma, logo no início do texto, que ele não operava no Ministério e não tinha autorização para falar em seu nome.


É necessário, enfim, conhecer a inside story da matéria da IstoÉ, o que rolou por dentro, como se diz. Mas é melhor esperar sentado por isso.


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