A Folha de hoje reconhece seis erros em matérias recentes do jornal e da revista que acompanha as suas edições dominicais. Interessam o último e o primeiro, pelo contraste abissal entre ambos, embora lançados à mesma vala.
O último corrige a citação dos nomes de dois protagonistas do romance Budapeste, de Chico Buarque. Um deles saiu como Jorge Costa, quando o certo é José Costa. Outro saiu como Krista, quando o certo é Kriska.
Erros como esse saem aos montes na imprensa todo dia em toda parte. Indicam qualquer coisa entre a pressa, a distração e o descaso pela checagem dos fatos mais elementares. Em suma, o velho e mau jornalismo vapt-vupt que passa batido para os leitores, salvo a minoria que, em cada caso, conhece de perto o assunto, ou se lembra dos seus detalhes – onde, como se sabe, está o diabo. Mas nem os que flagram a rata vão perder o sono por causa disso. E segue a vida.
No outro extremo está o primeiro erro, por ordem de entrada em cena, na seção “Erramos”. Foi detectado não por um observador anônimo, nem por um jornalista da casa atento à letra miúda de uma notícia, mas pela parte interessada – a também jornalista Vera Spolidoro, assessora de Comunicação do ministro da Justiça, Tarso Genro.
Ela mandou, e o jornal publicou, abrindo o “Painel do Leitor”, a seguinte carta:
“O redator do texto ‘Lula diz que acusações a Dilma no caso Varig são ‘abomináveis’ (Dinheiro, ontem), sobre a ministra Dilma Rousseff e a Varig, equivocou-se duas vezes. Primeiro, ao afirmar que o ministro Tarso Genro ‘criticou a ministra em entrevista ao jornal Zero Hora’. E, segundo, que ‘foi repreendido por Lula’. Na entrevista, o ministro disse que o PT deve apresentar um nome à Presidência e que o assunto ainda não estava em discussão, nem no governo, nem no partido. Disse ao Zero Hora, textualmente: ‘Ela [a ministra Dilma] é uma gestora de confiança do presidente com todas as boas características que tem’. Quanto a ser repreendido pelo presidente, o fato simplesmente não ocorreu.’
Nota da Redação remete à seção “Erramos”, onde se lê:
”Diferentemente do que informou o texto ‘Lula diz que acusações a Dilma são ‘abomináveis’, o ministro da Justiça, Tarso Genro não fez críticas a Dilma Rousseff (Casa Civil), em entrevista ao jornal Zero Hora”.
A Folha podia ter acrescentado que, se não houve crítica, tampouco o crítico terá sido repreendido pelo presidente – mas isso ainda é o de menos.
Releia-se a carta e a errata. Não é que um repórter tenha ouvido mal um comentário apressado, ou repassado por terceiros, de um ministro sobre um[a] colega. O comentário está em letra de forma em outro jornal. Literalmente, não tinha erro.
Mas a Folha se limita à fórmula burocrática do “diferentemente do que informou o texto…”, a mesma usada para retificar os erros de nomes do romance de Chico Buarque.
Há algo de errado, ou de muito errado, como se queira, com uma imprensa – hoje foi a Folha, ontem foi outro jornal, amanhã será outro ainda – que, primeiro, se permite tresler uma entrevista com um ministro de Estado sobre uma importante questão política, no caso, a sucessão do presidente da República; e, segundo, ao admitir a barbeiragem, a trata com uma espantosa naturalidade.
Compare-se essa atitude de mal-disfarçada arrogância, por exemplo, com a humildade da revista britânica The Economist, esta semana, na seguinte correção:
“O mapa na reportagem especial da semana passada sobre a ampliação da União Européia estupidamente misturou Eslováquia e Eslovênia. Também disse erradamente que a Turquia e a Croácia apresentaram as suas candidaturas: ambos os países, na realidade, já negociam o seu ingresso. Desculpem.”
Talvez seja o caso de esperar sentado pelo dia em que um jornal brasileiro se penitenciar com palavras como essas de um erro que não tinha por que ter acontecido – e que retrata um gosto perverso pela fofoca política.