Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O jornal como mídia do conhecimento

Estamos de tal forma condicionados pela preocupação comercial e política dos jornais que tornou-se difícil imaginar como eles podem servir para nos ajudar a resolver problemas pessoais e das comunidades onde vivemos. Quase todas as manchetes diárias estão preocupadas com a política dos partidos, interesses empresariais, tragédias, violência, guerras e manobras diplomáticas das grandes potências.

Mas há dezenas de problemas locais que só aparecem nas primeiras páginas quando estão vinculados a uma ou mais das questões mencionadas acima. Se a gente tomar o exemplo de São Paulo, o problema do abastecimento de água tornou-se um problema crucial, mas os jornais insistem em tratá-lo como uma questão de governo ou de empresas, o que inevitavelmente acaba escorregando para o terreno da política ou do interesse corporativo.

Os jornais também não conseguem libertar-se da tendência de publicar prioritariamente as propostas de soluções vindas de cima para baixo, eternizando o paternalismo governamental e o passividade das pessoas afetadas pelo problema. Mas quem decidir pensar um pouco sobre a falta d’água em São Paulo logo verá que a população tem uma boa parte da solução do problema, só que ela não age de forma mais propositiva por falta de informação. Não da informação sobre o que o governo diz que vai fazer, mas a sobre o que cada pessoa pode fazer para amenizar o seu problema e o do seu bairro, rua, associação ou local de trabalho.

Quando se fala em falta de informação, as pessoas são levadas a responsabilizar a imprensa, e com razão, porque é ela que serve o menu diário de dados da realidade que nos cerca. Muito pouco ou quase nada foi produzido pela imprensa em termos de fornecer à população elementos sobre como reduzir os efeitos da falta d’água, salvo reproduzir as burocráticas instruções oficiais como não lavar calçadas e carros, não regar jardins etc.

A imprensa tem um papel – de fornecer insumos para que as pessoas desenvolvam conhecimentos – que foi atropelado pelo interesse comercial e pelas alianças partidárias dos donos de veículos de comunicação jornalística. Contribuir para a produção de conhecimento é uma missão essencial dos jornais, revistas, rádios, televisões e sites noticiosos. 

A produção de conhecimento, uma atividade que passa a ser cada dia mais importante na era digital, não se limita à atividade produtiva, à pesquisa científica ou ao planejamento econômico de médio e longo prazos. Ela tem a ver também com o dia a dia das pessoas comuns. A racionalização do orçamento doméstico só pode acontecer por meio de informações que geram o conhecimento sobre como aplicar instruções gerais para a realidade específica de cada família. As regras gerais são apenas uma orientação que, por definição, são amplas, mas só funcionam efetivamente quando reinterpretadas num contexto bem definido como, por exemplo, uma necessidade individual, uma preocupação familiar ou comunitária.

Mas essa necessidade de reinterpretação de informações gerais para contextos específicos precisa ser comunicada pela imprensa para que possa ser discutida e compartilhada pelos leitores de um jornal, ouvintes de um emissora de rádio, pelos telespectadores ou internautas. É a imprensa que deve levar às pessoas a preocupação em captar dados da realidade geral e como aplicá-los à sua realidade especifica.

Esta é apenas uma das formas de os jornais, por exemplo, participarem da produção de conhecimento socialmente relevante. Até agora a imprensa, por interesses político- partidários, limita a sua preocupação com a produção de conhecimento a uma suposta capacidade de os cidadãos fazerem escolhas eleitorais. A produção de conhecimento tem a ver com a vida e não apenas com o voto.

Na era digital, produzir conhecimento passa a ser uma tarefa quase diária das pessoas porque estamos sendo obrigados a decidir sobre um conjunto cada vez maior de opções, em que o risco de uma escolha errada pode causar grandes prejuízos. Só para dar um exemplo: se você for comprar um novo telefone celular, a variedade de modelos é tão grande que uma pesquisa mostrou que 90% das pessoas compram o tipo errado por não ter analisado concretamente as suas necessidades individuais reais e como elas se encaixam nas características do aparelho.

A imprensa poderia colaborar com a produção de conhecimento pelas pessoas se passar a se preocupar com elas, em primeiro lugar. A maioria dos indivíduos ainda raciocina condicionada pela realidade da escassez de oferta e limitação na variedade de opções. As pessoas precisam receber informações sobre as mudanças em curso em nossa forma de viver. Trata-se de um objetivo vasto e complexo que por si só já daria para mobilizar todas as energias criativas das redações. 

Mas para que isso aconteça de fato, a imprensa tem que abandonar a sua ultrapassada agenda político/eleitoral/empresarial/ideológica. Não se trata de transformar o conhecimento em mais um modismo, mas na base de uma nova estratégia editorial que pode não atrair anunciantes de imediato, mas reconquistará a confiança das pessoas, e com ela novas alternativas publicitárias. Colocar a produção de conhecimento socialmente relevante como prioridade editorial é também uma forma de a imprensa buscar novas formas de sobrevivência empresarial e de vinculação ao interesse público.

P.S. Vou voltar mais vezes a este tema porque ele é complexo mas fundamental para o público e para a imprensa. E para que o assunto se torne objetivo é necessária a participação de vocês, leitores, por meio de comentários, críticas e sugestões.