Quem observa a evolução do jornalismo na internet percebe claramente o fortalecimento da tendência para a personalização do noticiário baseada no uso intensivo de softwares que identificam as preferências do usuário e, com base nelas, organizam a agenda de informações disponibilizada em páginas como o Google News, Yahoo!, Facebook e muitos outros.
O que num primeiro momento surge como uma vantagem porque promove uma triagem de notícias no meio de uma avalancha informativa na Web, no médio e longo prazos terá consequências bem diferentes, pois o resultado pode ser o empobrecimento intelectual e o sectarismo.
O editor especializado em tecnologia, John R. Quain, do The New York Times, acaba de levantar a lebre num artigo onde – de uma forma um pouco apocalíptica – afirma que a personalização das notícias está implodindo a Web. Exageros à parte por conta da busca de atenção dos leitores, o certo é que o uso intensivo de algoritmos para automatizar e personalizar a seleção de notícias cria um filtro com base em atitudes e comportamentos passados do usuário.
Os algoritmos (softwares especializados em tarefas muito especificas) usam dados deixados pelos usuários da Web para organizar criar uma lista de interesses noticiosos dos leitores. Se você se interessou por uma notícia sobre enchentes na Manchúria porque um amigo seu passou por lá há semanas, este dado é registrado pelos algoritmos da página noticiosa que você visitou e, na próxima consulta, lá vêm notícias desta região asiática encravada asiátideste país co encravado entre a China, Mongólia e Rússia.
É claro que a coisa não é tão simples assim, mas o que desejo mostrar é que a produção de notícias personalizadas com base em algoritmos tende a estreitar o foco de interesses porque toma como base a frequência de comportamentos passados em pesquisas na Web. Outra consequência preocupante é o fato de que as redes sociais usam algoritmos para aproximar pessoas de interesses similares.
Acontece que a realidade nos apresenta diariamente fatos novos que geram dúvidas e nos levam a ter que tomar decisões com base mais na complexidade presente e do que no ordenamento do passado. A personalização algorítmica do noticiário, se por um lado nos ajuda a lidar com a desorientação e perplexidade provocadas pela avalancha informativa, por outro empobrece a nossa capacidade decisória por conta do afunilamento e “tribalização” do nosso universo informativo. Segundo o professor norte-americano Cass Sunstein, quando mais uniforme for a informação em grupos sociais, maior a tendência à xenofobia e ao sectarismo, comportamentos diretamente associados à radicalização política.
Este é o grande problema da personalização absoluta do noticiário, um fenômeno alimentado basicamente pela busca de atenção do internauta para a publicidade comercial paga. Mais ou menos como faz a imprensa tradicional. Há vantagens, sim, na personalização porque ela promove uma filtragem grossa da massa de notícias disponibilizadas em tempo real pela Web. Mas o material filtrado precisa ser selecionado, contextualizado e distribuído tendo em vista as necessidades presentes ou futuras dos indivíduos.
É aí que entra a curadoria, um processo novo e humanizado que está ganhando espaço na Web por conta da necessidade de uma individualização da oferta noticiosa. A diversificação da oferta e das necessidades individuais cria o ambiente adequado para a integração dos processos com base em softwares e na ação de curadores de carne e osso. A curadoria de notícias inevitavelmente estará vinculada à geração de cardápios informativos para grupos de pessoas (comunidades) porque só assim é possível atender necessidades especificas.
A questão agora é explorar a relação entre curadoria e jornalismo no ambiente informativo criado pela internet. O debate sobre esta relação começa parcialmente distorcido pelo fato de que o setor financeiro pulou na frente do jornalismo quando identificou na curadoria uma forma de resolver os problemas resultantes do excesso de informações na hora de decidir sobre investimentos. Mais uma vez a relação custo/beneficio levou água para o moinho da automação. Até dezembro de 2013 devem ser aplicados 18 bilhões de dólares em todo mundo só no desenvolvimento de softwares de curadoria informativa para o setor empresarial.
Cabe agora ao jornalismo encarar o problema da curadoria a partir de uma nova perspectiva. Já não se trata mais de selecionar notícias para captar anúncios, mas produzi-las pensando na geração de conhecimento socialmente relevante. É preciso redefinir e, principalmente, recontextualizar a relação entre sustentabilidade financeira e produção de conhecimento.
Em principio, não há incompatibilidade entre jornalismo e curadoria. Muitos, como a professora da USP Elizabeth Saad Corrêa, afirmam que os melhores curadores são os jornalistas porque estariam mais preparados para trabalhar a informação, uma matéria-prima complexa. Só que o exercício da curadoria implica alterações na prática da edição, um processo vinculado ao sistema industrial de produção de notícias. Esta diferença pode ser detalhada noutro post, mas de forma geral pode-se dizer que a editoria oferece um produto fechado enquanto a curadoria disponibiliza opções para o leitor.