A preocupação com a transparência é um tema em alta na agenda do debate público e um novo desafio para o exercício do jornalismo na era digital. O volume de dados colocados à disposição das pessoas tende a crescer cada vez mais na medida em que os poderes executivo, legislativo e judiciário, desde o nível federal até o comunitário são obrigados a divulgar dados e fatos, sem os quais o exercício da cidadania é inviável.
É uma numeralha crescente que tende a atropelar cada vez mais a já deficiente capacidade dos profissionais da informação de interpretar dados e fatos. E por incrível que pareça, estamos ameaçados de afogamento em números que nós, os cidadãos, tanto cobramos dos três poderes, simplesmente porque não temos condições de colocá-los num contexto. Em suma, estamos criando lixo informativo.
Se a situação já é caótica no plano federal, onde a imprensa tem uma presença mais visível, imagine-se no âmbito estadual e no municipal, onde são raros os jornais que tem uma mínima preocupação com a transparência e com o interesse público. É informação demais para jornalistas de menos, tanto em quantidade quanto em qualidade, porque a grande maioria dos profissionais tem pouca intimidade com os bancos de dados eletrônicos.
E nós estamos falando apenas do setor público. Há toda a área privada, tradicionalmente resistente á idéia da transparência mas que, cedo ou tarde, também terá que ceder às exigências dos consumidores de informação. Inclusive a imprensa, que cobra transparência dos outros mas faz de tudo para continuar fora do radar da opinião pública.
Tudo isto aumenta a urgência de repensarmos o exercício da atividade jornalística, especialmente no âmbito municipal. É no contexto comunitário que o monitoramento das contas e atos públicos é mais deficiente por conta de uma histórica inexistência de uma imprensa independente e não compromissada localmente com interesses eleitorais e comerciais.
A nova legislação sobre transparência das contas públicas municipais abre um promissor campo de trabalho para jornalistas que já não encontram mais oportunidades de trabalho em grandes empresas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o crescimento do número de blogs informativos locais produzidos por profissionais e amadores independentes é duas vezes mais rápido do que noutros segmentos da atividade jornalística.
O fenômeno é tão intenso que três das maiores fundações e universidades norte-americanas (Fundação Knight, MIT e Universidade da Califórnia/Berkeley) criaram programas especiais para o jornalismo comunitário, financiando projetos de desenvolvimento de softwares e serviços destinados a facilitar a atividade dos produtores de weblogs e páginas informativas locais.
Nada impede que o mesmo modelo possa ser testado aqui no Brasil já que a tecnologia dos weblogs, bancos de dados e de formação de redes sociais de apoio está disponível na Web, quase sempre grátis. Por outro lado, as pessoas estão cada vez m ais preocupadas com a forma pela qual os impostos são usados, especialmente na saúde, educação, transporte e segurança. Leitores não faltam, especialmente no âmbito local.
O que complica a situação é o fato dos jornalistas profissionais e amadores colocarem sempre em primeiro lugar a pergunta: como é que eu vou fazer dinheiro com noticiário local e hiperlocal (bairro ou rua). Hoje, esta resposta só vai ser obtida depois de descobrirmos o que as pessoas precisam e desejam. É necessário primeiro investir esforço e conhecimento no projeto para depois pensar no retorno financeiro. Esta é a regra a ser seguida na atividade autônoma na internet.
A transparência nas contas públicas, além de uma medida ética e politicamente correta, é também uma oportunidade profissional para os jornalistas porque caberá a elas transformar a numeralha em dados e informações relevantes para o público. Se o material tiver estas características, as pessoas pagarão algo por ele, o que pode começar a financiar a sobrevivência de quem o produz.