A expressão foi cunhada em 2001 pelo norte-americano Doc Searls para identificar o que ele, na época, classificou de “jornalismo sem rotativas”. O termo ganhou nova roupagem no fim de 2012 com a publicação de um documento de 196 páginas, editado pelo Tow Center para Jornalismo Digital , da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.
O que há mais de uma década era uma vaga ideia sobre um futuro possível para o jornalismo transforma-se agora num diagnóstico bem mais preciso, embora ainda contenha muitas incógnitas. Mas os três professores responsáveis pelo texto — C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky — não têm dúvidas de que é inexorável a substituição do jornalismo atual por uma nova forma de exercer a atividade.
A constatação fundamental é a de que a essência do jornalismo continua, mas a forma atual de praticá-lo, baseada na associação com o papel, fitas magnéticas e celuloide, criou uma cultura que perdeu agora sua base material e está sendo substituída por outra com valores, rotinas e modelos de negócios totalmente diferentes, pois sua principal característica é ser imaterial.
Dito assim parece até simples, mas as consequências dessa transformação foram classificadas simplesmente como “tectônicas” pelo documento que dedica quase 15 páginas para mostrar como a imprensa atual tornou-se insustentável pela falência da secular associação entre donos de jornais e anunciantes.
Não se trata apenas de trocar as rotativas e máquinas de escrever pelos computadores e pela internet. O texto cita uma pesquisa mostrando que 90% das empresas que implantaram redações digitais sem alterar a forma de praticar o jornalismo acabaram pagando caríssimo pela mudança e quase todas faliram ou foram vendidas. O problema não está na tecnologia, mas na identificação das consequências que ela está provocando na forma como os profissionais e o público passaram a se relacionar no campo da comunicação jornalística.
É aí que os principais conglomerados da imprensa mundial estão falhando e, segundo a previsão do texto, provavelmente a maioria deles não conseguirá sobreviver. Para os autores, o grande dilema da imprensa contemporânea está nessa transição para o jornalismo pós-industrial, no qual o culto do papel como valor máximo da profissão será substituído por outra cultura, provavelmente a da colaboração informativa, segundo Anderson, Bell e Shirky. [C.W. Anderson lança agora em janeiro o livro Rebuilding the News (Reconstruindo a Notícia), pela editora Temple University Press.]
O jornal The New York Times foi escolhido para uma análise das características e consequências da transição para o jornalismo pós-industrial porque nos últimos 20 anos foi, segundo o texto, a empresa jornalística que mais arriscou nas mudanças em seu modelo de negócios. “Deixou de ser um jornal de referência no mundo inteiro para tornar-se uma instituição cultural de padrões globais, criando uma categoria de um só componente”.
Mesmo reconhecendo o mérito dos riscos assumidos pelo jornal da família Sulzberger, o documento assinala que as consequências das mudanças feitas e o futuro da empresa ainda estão mergulhados numa grande incerteza. Os autores preferem analisar e discutir a natureza das mudanças como um exemplo do que está sendo feito na transição de modelos, capaz de ser avaliado por outras organizações.
A transição do modelo industrial de produção de notícias para um formato pós-industrial é parte do surgimento da economia digital, um sistema de produção baseado em bens imateriais (conhecimento, informação e sabedoria). Não se trata de substituição de um modelo por outro, porque já existem dados suficientes para comprovar que ambos coexistirão ainda durante muito tempo, da mesma forma que o sistema feudal ainda sobrevive em várias partes do mundo dominado pelo capitalismo industrial.
Também no jornalismo não haverá uma substituição completa das formas analógico-industriais pelo sistema digital. O papel, celuloide e processos eletromagnéticos ainda serão usados em nichos especializados, a exemplo do que acontece com os discos de vinil que ainda sobrevivem ao CD-ROM que, por sua vez, perdeu a hegemonia para o MP3 digital como plataforma para a publicação de músicas.
O grande dilema do jornalismo atual não é o que fazer com a indústria do papel, mas como enfrentar as incertezas da transição para a era pós-industrial. A experiência tem mostrado que o jornalismo contemporâneo enfrenta dois tipos de medo: o da perda da segurança de um modelo conhecido e o medo das incertezas do futuro. A realidade já demonstrou que o primeiro leva à paralisia, o que pode ser fatal para uma empresa jornalística nos dias de hoje. Medo por medo, talvez a melhor opção seja apostar na mudança.
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