A vida de um repórter pode ter sido facilitada pelos novos gadgets eletrônicos e pela internet, mas se olharmos pelo lado da busca de informações, o seu trabalho ficou muito mais complexo, para dizer o mínimo. No jornalismo tradicional bastava entrevistar a vítima, o agressor, a polícia e os advogados para reunir o material essencial para uma notícia ou reportagem sobre um roubo ou agressão pessoal, por exemplo.
Depois da internet, o repórter tornou-se refém de duas instâncias impessoais, imprevisíveis e numericamente imensas: as redes sociais, onde circulam milhares de pessoas emitindo opiniões, divulgando dados, fatos e eventos; e os robôs eletrônicos que, em quantidade incalculável, circulam pela internet recolhendo informações que são depois indexadas e processadas em bancos de dados, cujo funcionamento é sigiloso.
A expressão “gastar sola de sapato”, transformada em apanágio da investigação e checagem de fatos no jornalismo tradicional, está cada vez mais inviável por conta da mudança radical na apuração de notícias. Gastar sola de sapato ainda é uma opção válida para verificar a confiabilidade e exatidão de um fato ou dado. Mas a prática foi atropelada pela avalancha de dados, fatos e eventos a serem investigados, tornando compulsória a terceirização da checagem jornalística.
Por isso, hoje qualquer reportagem inevitavelmente passa pelo acesso à alguma rede social ou por um sistema de buscas baseado em algoritmos, como é o caso do Google. O profissional não tem o controle da qualidade informativa existente nos dois ambientes. Isto significa que ele pode estar sendo induzido involuntariamente a erro sem ter a menor ideia das possíveis consequências.
O jornalista contemporâneo tornou-se ainda mais suscetível a equívocos do que os profissionais da era da máquina de escrever e da sola de sapato. A incerteza resulta do fato de que ele depende de outros serviços e de outras pessoas para produzir um relato que é considerado a expressão da verdade absoluta por um público que ainda não se deu conta da reviravolta no segmento da imprensa.
Durante décadas, as empresas jornalísticas passaram aos seus respectivos públicos a ideia de que uma notícia impressa ou transmitida pelo rádio ou TV era confiável, exata, relevante e inédita. Agora tudo isso é diferente, mas a imprensa resiste em mostrar para sua audiência o que mudou e quais as consequências. Prefere fazer de conta que está tudo bem e que os problemas são passageiros, mesmo sabendo que a irritação do público com erros, omissões e desvirtuamento de notícias vem crescendo continuamente.
O fato de o jornalismo contemporâneo estar irremediavelmente dependente das multidões e dos algoritmos para produzir notícias impede que ele continue pensando que é o dono da verdade e única fonte confiável de informações. Não se trata de fazer um voto de humildade, mas de reconhecer uma realidade e assumir as consequências. A realidade é que, mais do que antes, o repórter necessita de outras pessoas para fazer seu trabalho, e a consequência é a de que ele passa a ser responsável perante elas pelo produto final .
Antes, o repórter precisava se relacionar com seu chefe para manter o emprego e com suas fontes de informação para ter o que oferecer ao chefe. Agora, ele precisa, além disso, saber como se comportar em redes sociais, como trabalhar em grupo com outros profissionais e como ouvir pessoas. As relações em rede são essenciais porque nelas o repórter é apenas mais um membro, suscetível de críticas nem sempre amenas em razão de eventuais erros ou desvios de conduta. A rede é o caderninho de endereços do repórter. Ela agiliza o trabalho investigativo, mas para isso o profissional precisa da colaboração dos membros da rede.
Trabalhar em grupo passou a ser fundamental porque dificilmente um profissional conseguirá saber usar e manter-se atualizado sobre todos os softwares necessários para pesquisar um tema, interagir com fontes, produzir textos e publicá-los, sem falar na eventual necessidade de editar e publicar fotos, áudio ou vídeo.
Mas a mais complicada das novas tarefas impostas aos jornalistas da era digital é como ouvir pessoas. Até agora, o repórter assumia a personalidade de um investigador, promotor ou juiz. Sua função era encontrar culpados ou suspeitos, na maioria dos casos. Hoje, ele ainda precisa fazer isso, mas a necessidade de contextualizar dados, fatos e eventos para poder transformá-los em notícias relevantes, confiáveis e pertinentes o obriga a ter que ouvir mais do que falar.
A compreensão do contexto passa a ser essencial para que uma notícia seja publicada e conquiste a atenção do público. A avalancha noticiosa na web tornou imprescindível a diferenciação para que uma reportagem atraia leitores, ouvintes, espectadores e internautas. Sem contexto, as pessoas não conseguem identificar nem a importância e muito menos como uma notícia afetará suas vidas. O repórter só pode obter tudo isso ouvindo pessoas e consultando fontes, o que toma tempo e exige muita humildade – dois itens em falta nas redações atuais.