Uma ausência reveladora no vasto noticiário nos jornais de hoje sobre a queda do ministro da Fazenda Antonio Palocci e do presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso: nenhuma palavra – seja da Polícia Federal, que o investiga, seja dos demitidos, que queriam desmoralizá-lo, seja de qualquer dos parlamentares petistas que insinuaram ter sido ele industriado e comprado pela oposição – sobre a possível má fé de Francenildo Costa, o zé-ninguém cujas verdades abalaram o governo Lula mais até do que as denúncias do notório deputado Roberto Jefferson.
Nem nas notas que divulgaram quando o cutelo se abateu sobre suas cabeças, Palocci e Mattoso ousaram falar mal do empregado que contou o que viu na mansão onde a cupinchada do ministro, dos bons tempos de Ribeirão Preto, fazia e acontecia.
É impossível subestimar a importância disso. Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, algumas das mais altas autoridades da administração federal direta e indireta usaram a imprensa – no caso a revista Época – para promover o linchamento moral de um trabalhador por haver ele afirmado com impressionante massa de detalhes que o todo-poderoso titular da Fazenda mentira à CPI dos Bingos quando disse nunca ter estado na casa onde esteve, segundo o outro, ‘umas 10 ou 20 vezes’.
E quebraram a cara. Porque a sociedade e a mídia não deixaram barato.
Ao presidente Lula – supondo, pela devida presunção de inocência, que também nesse vexame ele de nada soubesse – restou correr desesperadamente atrás do prejuízo. Demitindo Palocci, o mesmo Palocci de quem ele dizia duas semanas atrás que não sairia do seu governo nem se quisesse, Lula tratou de ‘personalizar’ a violação e o vazamento do sigilo bancário de Francenildo para que esses delitos não fossem qualificados de ‘crime de Estado’, como informa na Folha de hoje a consistente reportagem assinada por Sheila D´Amorim.
Enquanto isso, num esforço desesperado para não perder o privilégio, próprio da condição de ministro, de ser inquirido, processado ou preso apenas pelo Supremo Tribunal Federal, Palocci tentou transformar a sua queda em ‘afastamento’. Nessa situação, ele seria substituído por um interino e continuaria a salvo da ação da polícia e da procuradoria paulista que investigam os seus alegados malfeitos na prefeitura de Ribeirão.
Mas, àquela altura, quando Lula já sabia que Mattoso deduraria o ministro, dizendo à Polícia Federal que lhe entregara pessoalmente os extratos de Francenildo, obtidos sem autorização judicial para a quebra dos seus sigilos, a ordem no Planalto era dissociar-se ao máximo daquele de quem o presidente ainda outro dia disse dever ‘muito, mas muito’.
O tempo dirá se o presidente ficará contaminado, ou não, perante a opinião pública, pelo virus de mais essa crise ética no seu governo.
Por ora, além do resgate da honra de Francenildo, importa notar que, mesmo na hora em que o barco deles virou, Palocci e Mattoso afundaram tentando afogar também a verdade.
Em carta ao presidente, o já ex-ministro – o provável mandante da quebra do sigilo do ex-caseiro, que recebeu e embolsou do presidente da Caixa os seus extratos, como se fosse a coisa mais normal do mundo – ainda quis dar uma de vítima. Declarou-se ‘alvo de todo tipo de maldades e acusações’. E negou qualquer participação na ‘quebra do sigilo bancário de quem quer que seja.’ Em 26 de janeiro, ele também negou que frequentasse o casarão de má fama no Lago Sul de Brasília.
De seu lado, em nota à imprensa, Mattoso disse ter tido acesso – mas não disse como – sobre ‘movimentação atípica’ na conta de Francenildo e disse que o que fez depois era parte de seus ‘deveres funcionais’ e não representava ‘de forma alguma quebra indevida de sigilo’.
Como se ele não soubesse que, mesmo constatado um caso de ‘movimentação atípica’ , o banco não pode bisbilhotar a conta do cliente. Deve informar o fato ao Coaf, que decidirá ou não acionar a Polícia Federal. E a Polícia é que deverá solicitar à Justiça a quebra do sigilo bancário do suspeito.
As mentiras e meias-verdades da dupla mais do que justificam a ‘lista de compras’ que a Folha publica – 14 perguntas à espera de reposta.
Quem as ler com isenção de ânimo verá que são todas pertinentes. Por isso, enquanto não forem respondidas, é impensável que se tente pôr uma pedra em cima do caso dos crimes contra Francenildo, com as demissões de Palocci e Mattoso.
Não só o poder público, mas também a mídia devem levar às últimas consequências o enunciado de Francenildo, no Estado de hoje: ‘O lado mais fraco não é o do simples caseiro, é o da mentira.’
P.S. Uma leitora mais atenta do que eu chama a atenção para a matéria do Estadão ‘Apoio de padrinhos garantiu comando do banco’, sobre a tchurma de Jorge Mattoso. O texto é informativo, mas deixa ao leitor o trabalho de juntar os pontos – o fato de Mattoso e Palocci serem de bandas diferentes do PT. O que pode, ou não, ter influído na decisão do primeiro de dedurar o segundo. [Acrescentado às 13h44 de 28/3]
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