Monday, 06 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1319

O leitor de jornais diante do “muro da cobrança”

O jornal Le Monde acaba de iniciar a cobrança de conteúdo publicado em seu site na Web. Os jornais The Wall Street Journal e The Times, controlados pelo biliardário Rupert Murdoch, vão fazer o mesmo em junho e o The New York Times já anunciou que no final do ano também engrossará a lista das publicações que optaram pelo “muro da cobrança” como estratégia para tentar recompor seu fluxo de caixa.


 


Aqui no Brasil, ainda nenhum movimento à vista. As três grandes indústrias de publicação de jornais estão em cima do muro à espera do que vai acontecer lá fora para então importar uma receita. É uma opção possível porque as empresas que editam os jornais Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e O Globo ainda têm uma gordura capaz de garantir mais um inverno.


 


A estratégia do muro de cobrança (paywall, na gíria da imprensa anglo-saxã) é uma aposta baseada na herança de credibilidade deixada pelas versões impressas. O principal ajuste é que as notícias de atualidade, as chamadas hard news (outro jargão jornalístico anglo-saxão) serão gratuitas enquanto as análises com valor agregado e o material de arquivo ficarão protegidos pela cobrança de acesso pelos usuários comuns.


 


O grande problema desta estratégia de sobrevivência dos jornais é que ela não toma em conta a questão mais importante que é a mudança na relação entre jornal e leitor, depois da avalancha informativa provocada pela internet.


 


Para que as versões online de jornais tradicionais consigam um mínimo equilibro entre receita e despesas, o grande dilema passa a ser a redução do custo da produção desse tipo de material.  A diversificação da demanda informativa é cada vez maior, o que leva os jornais a duas opções: focar num nicho informativo ou investir num amplo espectro de colaboradores qualificados.


 


A primeira opção implica reduzir o número de clientes, o que traz implícita a possibilidade de uma redução de receita, enquanto a segunda pressupõe um investimento grande sem retorno garantido. Tanto uma quanto outra são alternativas muito arriscadas num ambiente em que os jornais enfrentam uma fortíssima concorrência da informação gratuita produzida por blogs, organizações independentes, instituições privadas e públicas.


 


Qualquer opção adotada pelos jornais para construir o seu muro de cobrança vai esbarrar no mesmo problema: o alto custo da produção de conteúdo qualificado por conta da necessidade de pagar altos salários de jornalistas experientes ou o preço de uma redação robusta, capaz de atender às demandas de um público diversificado.


 


No cenário atual, a melhor forma de baixar os custos da produção de conteúdos qualificados é recorrer ao que se convencionou chamar de produção colaborativa (crowdsourcing, outro jargão anglófono), na qual o público contribui com informações. A opção é muito atrativa em termos de custo, mas obriga os jornais a mudar sua relação com os leitores.


 


Significa ter que passar a ver o público como um parceiro e não como um obstáculo. Significa reconhecer que existe um conhecimento inexplorado até nas camadas mais pobres da população. Em última análise, implica admitir que a diversidade é o melhor antídoto para a incerteza informativa, situação em que nenhum segmento populacional deve ser excluído do processo de produção noticiosa.


 


A escolha da produção colaborativa é muito mais barata e menos incerta do que o muro da cobrança, mas traz como corolário uma mudança de valores nas redações das indústrias da comunicação jornalística: o abandono da auto-suficiência e até de uma certa arrogância dos jornalistas, notadamente os que trabalham em grandes órgãos da imprensa.


 


Isto pode ser muito mais difícil do que se imagina, quando olhado de dentro. São décadas de uma cultura centralizadora e vertical nas redações. Uma cultura tão forte que é capaz de impedir a visão do óbvio.


 

É claro que a produção colaborativa, por si só, não é a poção mágica que salvará todos os jornais do tsunami informativo provocado pela internet. Há todo um modelo de negócios a ser refeito, mas parece ser o ponto de partida mais fácil e mais seguro, se comparado com as incertezas do “muro da cobrança”.