Luis Fernando Veríssimo começou a sua coluna no Globo de ontem assim:
“Minha posição quanto à conveniência ou não de se unificar o português falado no mundo é um destemido “não sei”.
O que me leva a pensar na falta de destemor da mídia, dos seus leitores e observadores, entre os quais me incluo, em dizer “não sei”.
E antes que alguem retruque que compra jornal, ouve rádio e vê televisão para se informar e não para ficar sabendo que os jornalistas não sabem das coisas – o que, em tese, está certo –, me apresso a assinalar que muitas, muitas, mas muitas vezes mesmo, os jornalistas não sabem das coisas, porém disfarçam.
Jogam mais limpo com o público o repórter que escreve – e o editor que mantém o escrito – que “não está claro se…”. É uma fórmula consagrada na imprensa americana. Aparece na nossa mídia, com essas ou outras palavras, uma vez na vida e outra na morte.
Coisas podem não estar claras para um jornalista por uma infinidade de motivos. Os principais: porque elas não estão claras em si, para quem quer que seja; porque ele não suou a camisa o suficiente para esclarecer o que lhe parece obscuro; porque, por falta de bagagem, considera obscuro o que claro é.
O pior e decerto o mais frequente de tudo é o contrário: quando ele acha que as coisas estão claras, sim, e transmite isso ao leitor, apenas porque na sua santa ignorância ele acha que sabe o que na verdade desconhece.
A desinformação de quem é pago para informar soma-se ao medo dos jornais de afugentar o leitor se compartilharem com ele, com a frequência devida, em lugar de afirmações assertivas, as dúvidas que não conseguiram eliminar e que, à falta de melhor, varrem para debaixo do tapete.
A rigor, essa história começa antes, no processo produtivo da notícia. É quando o repórter come da mão da fonte errada, aquela que da missa não sabe a metade e fala com a segurança de ser o pai da matéria (sem trocadilho) – e ele, repórter, incapaz de julgar o grau de sapiência do seu entrevistado, toma o gato por lebre e passa adiante, ao leitor literalmente incauto, no caso, a pseudo-verdade anotada e não checada.
Acontece mais vezes do que o consumidor da informação malpassada é capaz de imaginar. Quando o “off” entra na jogada, então, o desastre vira catástrofe. O nosso hipotético repórter ouve uma pessoa que, seja lá o que tenha a dizer, pede para não ser identificada, e batuca no seu computador, por exemplo: “Fontes…” (assim, no plural).
A história continua depois da notícia publicada. É quando o leitor, principalmente na internet, onde basta o proverbial clique de mouse para percorrer o trajeto do ego ao próximo, comenta a matéria baseado mais nos seus pré-julgamentos do que nos seus conhecimentos eventualmente capazes de separar o joio do trigo no texto lido. Em política, especialmente, não dá outra.
Por fim, observadores de mídia nos vemos como que compelidos a erguer ou baixar o polegar diante do tratamento dado pela mídia a determinado assunto, quando, no fundo do fundo, não estamos assim seguros de que ela agiu de forma certa ou errada no episódio.
Acabamos caindo na mesma armadilha dos nossos criticados: corremos o frequente risco de sucumbir à demanda por um taxativo “sim” ou “não”, quando na realidade gostaríamos de escrever “por um lado” isso, “por outro lado” aquilo.
Tudo menos ser acusado de ficar no muro.
Para pegar leve a esta altura do texto, já que o destemido “não sei” de Verissimo que lhe serviu de mote diz respeito à polêmica sobre a unificação do idioma, uma anedota que liga o nome à p’ssoa.
Numa tarde de dezembro de 1960, em Lisboa, li numa banca a notícia de que um superbombardeiro americano, que talvez transportasse uma ogiva nuclear, sumira dos radares, suspeitando-se de que tivesse caído em algum ponto do território dos Estados Unidos.
Sabem o que o jornal – era um tablóide vespertino – deu na manchete?
“Parece que rebentou uma atómica”.
P.S. Religião também é Cultura?
Acionado pela reclamação de um espectador, Pascoal de Marco, o Ministério Público de São Paulo iniciou “procedimento preparatório de inquérito civil” sobre a exibição, na TV Cultura, das missas dominicais de Aparecida.
Marco se queixa que cerimônias de outros credos não recebem da emissora o mesmo tratamento.
Na nota que emitiu hoje sobre o assunto, a Fundação Padre Anchieta, entidade mantenedora da TV, lembra que a queixa não é nova – e que duas vezes a Justiça lhe deu ganho de causa.
Mas – bom sinal dos novos tempos na emissora – a nota continua:
“Agora, entretanto, a Fundação Padre Anchieta acredita que o tema merece a atenção do debate público. Para tanto, a questão está sendo levada à atenção do Conselho Curador, a quem, por estatuto, compete estabelecer as diretrizes da programação da Cultura, de acordo com as finalidades da Fundação, e será debatida de forma a que qualquer decisão seja um reflexo do entendimento da sociedade.’ [itálico acrescentado]
A mim interessa menos qual poderá ser o tal do “entendimento da sociedade” do que a oportuníssima iniciativa da Cultura.
Entre outros motivos, porque uma das principais redes brasileiras de televisão, a Record, ligada ao evangélico Edir Macedo, é acusada de “explorar o sentimento religioso da população”.