Os comentários dos leitores me levam a continuar no tema porque há necessidade de uma troca de idéias mais aprofundada, como era inevitável, dada a complexidade da questão da regulamentação.
Então vamos por partes:
1) Muitas pessoas pedem a regulamentação da internet porque temem a expansão das conseqüências criminais do anonimato na rede. Esta reação é totalmente compreensível porque mexe com instintos básico do ser humano. O anonimato é visto como um convite à delinqüência. Sem saber quem ataca fica mais difícil defender-se.
Na verdade não existe anonimato na rede. Qualquer pessoa na rede pode ser identificada com muito mais rapidez e eficiência do que nos sistemas tradicionais. Só que os processo de identificação dos delinqüentes virtuais são muito diferentes dos usados pelas polícias e tribunais do mundo inteiro. Só investigadores altamente treinados podem ser detetives cibernéticos.
Isto significa uma renovação total da polícia e das investigações criminais, o que implica uma reciclagem radical ou o afastamento da maior parte dos agentes, procuradores e magistrados atuais. Aí o corporativismo aparece e a solução mais fácil é disseminar a insegurança e desorientação como recurso idiota de tentar matar o mensageiro para desconhecer a mensagem. A solução não está no medo, mas na reflexão, na troca de idéias e no estudo.
2) A anarquia da rede assusta. É verdade. A anarquia e o descontrole são ameaçadores da nossa visão dicotômica de um mundo dividido entre bons e maus, onde os maus tem que ser eliminados.
A sensação de anarquia da rede vem de um fato muito simples e não de uma suposta inspiração satânica. Vem da avalancha informativa que nos permite hoje ver as centenas de caras de questões que antes eram vistas de uma forma simplista por falta de informação.
Não é um desígnio maquiavélico e sim um sinal da evolução da tecnologia e do conhecimento humano. A diversidade abalou nossa visão dicotômica (certo ou errado) e isto nos deixa confusos, desorientados e, por conseqüência, temerosos.
O que é classificado como anarquia, na verdade é um sintoma de diversidade. Nosso dilema agora é substituir o medo pelo estudo da diversidade, da mesma forma que as pessoas hoje são obrigadas a se informar antes de comprar uma geladeira.
Antes bastava ter dinheiro. Agora, diante da diversidade de modelos, marcas e condições de pagamento, é preciso estudar a realidade antes de fazer uma opção.
3) O governo deve controlar a internet. Esta é outra falácia do debate. Nem o governo, nem as empresas privadas e nem mesmo as organizações públicas conseguirão controlar a internet pelo simples motivo de que elas, muito possivelmente, vão usar ferramentas velhas para tentar resolver um problema novo.
É impossível domar um touro usando a psicologia freudiana. São duas coisas totalmente diferentes. Nós só poderemos pensar numa regulamentação da internet depois de abandonar as fórmulas atuais. Tentar usar os instrumentos que conhecemos hoje só vai gerar frustração e fracassos.
Não deu até agora e não dará os resultados esperados por quem não conhece a rede por dentro. Por isto, a primeira coisa a fazer é constatar que existe uma nova cultura digital, que é diferente da cultura analógica. Quando Gutenberg inventou a imprensa, a reação na época foi muito parecida com a de hoje, com relação à internet.
Em 1452, todo o acervo da humanidade era estimado em 30 mil documentos. Um século e meio depois, a imprensa havia produzido 300 mil documentos. Hoje, a revolução da internet gera anualmente cinco exabytes de informação, ou seja, 50 mil vezes mais do que todo o acervo da Biblioteca do Congresso norte-americano, onde estão 32 milhões de livros, 61 milhões de manuscritos, só para dar alguns dados básicos.[1]
E isto não toma em conta o que é produzido pelos 112 milhões de weblogs que se multiplicam ao fantástico ritmo de 175 mil novos por dia, com a incorporação de 1,6 milhões de novos conteúdos (texto,vídeo, áudios, fotografias) a cada 24 horas. Entender a nova cultura digital é condição prévia indispensável para qualquer tentativa de criar regras na Web.
[1] Mais detalhes em http://en.wikipedia.org/wiki/Library_of_congress Os dados do verbete da Wikipédia em português (http://pt.wikipedia.org/wiki/Biblioteca_do_Congresso) estão um pouco desatualizados.