Perguntado, numa entrevista, se a internet afastou ou aproximou as pessoas, o francês Edgar Morin, um dos maiores pensadores da atualidade – também no sentido de estudioso do mundo contemporâno – deu uma resposta aquém dele mesmo.
Disse, entre outras platitudes, que a rede aproxima as pessoas, a ponto de se tornar ‘um fato universal importantíssimo’.
Disse ainda que ‘os sistemas de comunicação não criam compreensão’ e que ‘se a internet não desenvolver a idéia de uma idéia de comunidade dos destinos da humanidade’ – uma consciência planetária – ‘terá apenas uma função limitada’.
O entrevistador não perguntou, nem ele tomou a iniciativa de levar o raciocínio um passo adiante. Parece não haver dúvida de que as características próprias de um sistema de comunicação – as peculiaridades que o distinguem dos demais – tendem a moldar o modo como são usados, influindo decisivamente no rumo e nos efeitos desse uso.
O meio pode ser, ou não, a mensagem. Mas é certo que o meio condiciona a mensagem. Para dar um exemplo banal, não se escrevem e-mails como se escrevem cartas. Outro: a lingua franca na internet é uma corruptela induzida pelo meio (ou adaptada ao meio) do idioma corrente na sociedade. Além de permitir que se comuniquem, ela proporciona aos seus usuários a sensação confortadora de compartilhar uma identidade comum, separada de todas as outras que possam ter quando não estão em rede.
Estabelecido que o meio não é neutro como seria uma folha em branco (ou uma tela vazia) em relação à mensagem que se escreverá nela, a grande questão deixada em aberto por Morin é se a internet ajuda a formar a consciência a que ele aspira ou se, no limite, é uma tecnologia que pode dar alento à barbárie que ele acha que está de volta ‘em suas mais diversas formas’.
Trata-se de perguntar, por exemplo, se a participação que já se tornou unha-e-carne do jornalismo online leva jeito de melhorar o nível de compreensão dos assuntos da agenda pública de cada país e a qualidade do debate de a respeito; ou – essencialmente por ser a internet o que é – se a participação também tem servido para a propagação de uma algaravia de informações malpassadas e idéias meia-bomba, reforçadas pela atitude ‘deixa que eu chuto’ de uma parcela alarmante de debatedores, qualquer que seja o nível de educação (nos dois sentidos da palavra) das respectivas sociedades.
P.S. A entrevista de Edgar Morin, sob o título ‘Mal-estar de Maio de 68 é ainda mais profundo hoje’, saiu na Folha de 28 de abril. Foi dada duas semanas antes ao jornalista Samy Adghirni.
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