A avalancha de denúncias de corrupção em Brasília abalou a imagem do Congresso Nacional e monopolizou as atenções da mídia, mas gerou também uma espinhosa questão ética que a imprensa simplesmente deixou de lado, até agora.
Boa parte das acusações e suspeitas estão associadas à fontes anônimas e documentos de origem duvidosa. O impacto das denúncias foi tão grande que a imprensa minimizou tanto o questionamento do anonimato como a preocupação com a transparência da origem de vídeos, gravações e documentos que chegaram às redações, percorrendo caminhos tortuosos.
A polêmica em torno do uso de fontes anônimas não é nova na imprensa brasileira, mas ganhou uma nova relevância ultimamente devido a intensidade com que tem sido usado e também pelas conseqüências que a prática está gerando em termos políticos e institucionais.
É voz corrente nas redações da grande imprensa que sem o anonimato de fontes poucos escândalos de corrupção se tornariam conhecidos. A prática estaria assim justificada em função do chamado interesse público, não sendo raros os profissionais que a elevam à categoria de acessório indispensável à democracia.
Também não é segredo algum que políticos, empresários, policiais e governantes usam rotineiramente a prática de falar em off para a imprensa como forma de mandar recados, buscar vingança e jogar “cascas de banana” para embaraçar adversários e desafetos.
O professor e jornalista Caio Túlio Costa acaba de lançar um livro[1] sobre ética, jornalismo e novas mídias onde aborda várias vezes a questão do anonimato de fontes. Caio afirma que é comum os jornalistas adotarem uma dupla moral na abordagem do tema ‘informantes não identificados’: como princípio o condenam, mas na prática acabam por tolerá-lo justificando o anonimato como uma necessidade informativa.
Ao situar a questão do anonimato também numa perspectiva das mídias digitais, o livro amplia o debate para a internet e para o jornalismo online. Diante da avalancha informativa gerada pela internet, a notícia tornou-se tão freqüente que para avaliar a sua relevância tornou-se essencial contextualizá-la.
E um dos elementos-chaves nesse processo de contextualização é a autoria. Dependendo do autor, a informação tem um grau variável de relevância e, portanto, pode ou não ser levada em conta pelo jornalista. Isto está em todos os manuais de redação.
Mas quando o jornalista não identifica a sua fonte, os leitores de jornais, ouvintes de rádio ou telespectadores ficam privados de um elemento-chave para avaliar a relevância da notícia. Somos obrigados confiar integralmente no jornalista, numa atitude que não conta mais com a unanimidade do público consumidor de informações.
O justificar o uso de fontes anônimas, os profissionais esquecem que a questão também deve ser vista dentro de um contexto, que pode indicar se o recurso é eticamente aceitável ou não. Ele é válido quando o repórter usa uma informação fornecida por uma fonte não identificada para desenvolver a sua própria investigação.
Um exemplo clássico dessa situação é caso Watergate, quando dois repórteres do jornal The Washington Post se basearam em informações de uma fonte anônima, identificada como Garganta Profunda, para investigar o envolvimento da cúpula do governo do então presidente Richard Nixon na invasão do escritório do Partido Democrata, em Washington, em 1972.
Já quando a imprensa usa como evidência dados e fatos fornecidas por fontes que não querem se identificar, ela acaba por tornar-se co-responsável também pelos interesses associados à informação. Em vez de fazer a sua própria investigação, a imprensa endossa informações de outras pessoas, numa atitude que contradiz a sua missão de informar com isenção e imparcialidade.
Tanto pelo lado da ética como pelo lado do novo contexto criado pela avalancha informativa digital, é necessário rever a prática do uso de fontes anônimas como evidência informativa, porque isso equivale a sonegar dados precisos para que o público possa fazer o seu julgamento sobre os fatos e processos cobertos pelo noticiário da imprensa.
[1] Ética, Jornalismo e Nova Mídia, Uma Moral Provisória. Caio Túlio Costa, Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2009. No próximo post faremos uma análise mais detalhada do livro.