O Observatório da Imprensa no Rádio chega nesta segunda-feira (26 de junho) a uma emissora comercial, a Rádio Ideal FM de Paranatinga, Mato Grosso. Chega também a um pedaço do Brasil bem distante do circuito São Paulo-Rio-Brasília. E bem representativo da trajetória, nas últimas décadas, do agronegócio e de migrantes em busca de terras baratas.
O programa será transmitido diariamente às 11h30, hora local (12h30 de Brasília). A freqüência da Ideal FM é 105,5 mHz. A emissora assumiu formalmente o compromisso de não fazer utilização comercial do Observatório da Imprensa.
Paranatinga é um município criado em 1979. Tem área de 24 mil quilômetros quadrados. O Censo de 2000 contou 15.755 habitantes, mas dados do Sistema Único de Saúde apontam hoje para um número próximo de 25 mil habitantes.
Esse município de território gigante – maior do que o de Sergipe – era apenas uma parte do município de Chapada dos Guimarães. Reza a história oficial que no início dos anos de 1960, durante uma pescaria no Rio Paranatinga, o fazendeiro Abrão Bezerra encontrou diamantes. Levou-os a um comprador em Cuiabá que vinha a ser o prefeito de Chapada dos Guimarães. A fama do local se espalhou e atraiu gente.
Os garimpeiros formaram duas “corrutelas” – o designativo, comum em Mato Grosso, deriva de “corruptela”, uma variação de “corrupção”, o que dá idéia das condições sociais reinantes –, dois aldeamentos, um na cabeceira do rio e outro a jusante, quilômetros abaixo. A Corrutela de Baixo veio a se chamar Paranatinga.
Morte e ressurreição
O diretor da Rádio Ideal, Nuno Vasques, conta que a cidade praticamente morreu quando se esgotou a chamada extração de superfície. “Ainda há diamantes, mas para extraí-los seria necessário usar tecnologia mais complexa e mais cara”, diz Vasques. A ressurreição da cidade veio com a entrada do agronegócio em Mato Grosso, na década passada.
“A área de Paranatinga é muito propícia. A terra não é de muito boa qualidade, mas é muito plana. E hoje, como o calcário corrige qualquer tipo de imperfeição para a agricultura, a cidade ressurgiu. Muitos gaúchos, paranaenses, paulistas, goianos e mineiros – é o grosso das pessoas que vieram para cá – venderam suas propriedades nos seus estados e, com o dinheiro, como as terras aqui ainda não estavam muito valorizadas, pelo contrário, vieram abrir [lavouras ou pastagens: as fazendas são de soja, arroz, algodão e pecuária]. Foi quando a cidade teve um novo boom”, explica Vasques.
O jornalista Elton Bittencourt, que veio de Maringá trazido por Nuno Vasques para trabalhar na Ideal FM, conta um pouco da história dos tempos do garimpo, das Corrutelas: “Havia um alto índice de violência, a cidade concentrava bebida e prostituição. Segundo dados não confirmados, ainda há três ou quatro anos registravam-se 40 assassinatos por mês.”
Muita gente que não ouviu falar de Paranatinga já ouviu falar de “Paranabala”, dizem pessoas da cidade quando se referem a esses tempos tumultuados.
Hoje ainda há brigas, principalmente no início do mês, quando as fazendas pagam e os empregados vêm para os botecos beber pinga. Prostitutas? Seu número diminuiu. “Oficialmente, existem três casas boas”, informa Bittencourt, usando os conceitos valorativos locais. “Claro, existem também bares de fachada. Mas a violência se reduziu bastante”.
Povo pobre, mas grandes planos
O povo é muito carente, diz o jornalista, o que é confirmado por Nuno Vasques e pelo padre Elder Henrique Souza (ler abaixo ‘Padre é fã da Educativa FM’). É uma área de muitas fazendas. Uma região que ficou abandonada porque só havia estrada de terra. Agora a rodovia que liga Primavera do Leste a Paranatinga, a MT-130, está asfaltada. “O asfalto chegou há dois anos e meio, mas veio junto a crise do agronegócio”, lamenta Bittencourt.
Se a conjuntura não é das mais brilhantes, as esperanças estão voltadas para o futuro. “A pretensão do governador [Blairo Maggi, PPS, considerado o maior fazendeiro de soja do mundo], caso reeleito, é continuar a rodovia até Sorriso. Hoje passa tudo por Cuiabá”, diz Bittencourt. (Clique aqui para ver o mapa rodoviário de Mato Grosso em PDF. É preciso usar ampliação. As cidades mencionadas estão entre os paralelos de 56° e 54° S e os meridianos 10° e 16° W.)
Paranatinga, Primavera do Leste, Sorriso: o leitor procurará em vão os nomes dessas cidades em fontes de consulta mais antigas, como a Enciclopédia Delta-Larousse, dirigida por Antonio Houaiss, publicada em 1972. Elas não existiam. Eram distritos de municípios perdidos na imensidão do único Mato Grosso existente na época.
Nuno Vasques, o diretor da rádio, aponta vantagens naquilo que para muitos ambientalistas é um cenário de destruição: “A nova rota, quando chegar a Sorriso, vai ligar o Sul e o Sudeste do país, e o próprio Centro-Oeste, ao Norte e ao Nordeste. O plano do governo do estado é deslocar o fluxo, que hoje passa todo pela capital do estado, e reorientar a exportação do porto de Paranaguá, no Paraná, para o porto de Itaqui, no Maranhão, passando pelo Pará. A distância por terra cai um terço e a distância por mar para a Europa é metade da distância desde Paranaguá’. O governo do estado, segundo Nuno Vasques, prevê que a população chegue a entre 80 mil e 100 mil habitantes em 2010-12, depois do asfaltamento até Sorriso, previsto para 2008. Vasques é o titular do cartório local. “Por concurso”, ressalta.
Rivalidade comercial
Vasques alimenta revela planos ambiciosos. “Estou montando uma faculdade”, conta. “Já tenho autorização do MEC, aguardo o Conselho Nacional de Educação vir aqui fazer uma vistoria”. Ele quer também obter concessão para uma emissora de televisão e, no futuro, lançar um jornal. Por enquanto, a rádio lhe dá prejuízo mensal. “Entre 10 mil e 15 reais”, calcula. “Mas espero em breve reverter isso e passar para a etapa seguinte, a da televisão”.
Nessa altura da conversa surge uma denúncia: “Quem está me atrapalhando demais, comercialmente, é a Rádio Educativa, uma rádio comunitária que está operando numa condição em que não pode operar. Já fizeram denúncia para a Anatel dizendo que eu não estava retransmitindo a Voz do Brasil, que minha emissora está irregular. Mas isso não me abala.”
Vasques informa que a rádio comunitária (ver adiante ‘Rádio comunitária nega fins comerciais’) “é mais apoiada pelo pessoal antigo da cidade”. Elton Bittencourt dá detalhes: o grupo seria ligado à deputada Teté Bezerra, do PMDB, mulher do ex-governador do estado, ex-ministro da Previdência e ex-senador Carlos Bezerra, presidente do PMDB mato-grossense. Ambos apontados como envolvidos no escândalo das Ambulâncias, ou Sanguessugas, como preferir o leitor. São denúncias que ambos repelem.
[Nota em 4 de julho: Elton Bittencourt informa que não há ligação da deputada Teté Bezerra com nehuma das duas emissoras. Ele mandará novas informações a respeito.]
[Nota sobre a deputada Teté Bezerra enviada em 5 de setembro pelo leitor Evalin Alves Salomão: Acompanho, como não poderia ser diferente, com interesse, as denúncias sobre os sanguessugas e outros afins e, com relação à Teté Bezerra, que, inclusive a questionei a respeito, tenho informações que a liberam das acusações, inclusive uma assinada pelo presidente da CPMI, dep. Antônio Carlos Biscaia, informando ‘que esta Comissão deixou de encaminhar as respectivas imputações, contra Vossa Excelência, determinando arquivamento, em virtude da inexistência de provas…’ E, mesmo sobre o ex-senador, o que levantei até agora, ‘são expeculações que não temo’, vem dizendo ele mesmo, nos palanques de sua campanha à Câmara dos Deputados. Sendo assim, e espero que assim o sejam, me parecem meio pesadas as referências a ambos, neste relato de Paranatinga. Aliás, um belo relato!]
A queixa de Elton: “Eles têm autorização para colocar comerciais de 30 em 30 minutos, mas anunciam produtos, até promoções no mercado, no meio da locução. Fazem tudo o que não podem”. Elton diz que fez uma gravação para eventual denúncia à Anatel. Mas a denúncia não foi encaminhada. Em Cuiabá, a gerência regional da Agência Nacional de Telecomunicações informa que só age se há uma demanda, uma queixa ou denúncia.
Mais um deputado dono de concessão
O diretor da Rádio Ideal FM é sócio de um deputado estadual, Silval Barbosa, do PMDB, presidente da Assembléia Legislativa, dono da concessão (clique aqui para ler a biografia oficial do deputado). Mais um caso de ilegalidade, de agressão ao texto constitucional, na linha dos que têm sido denunciados há dez anos por este Observatório (ver “Folha desmascara trambique e ninguém se mexe”.) Como garantir que a rádio mantém e manterá independência jornalística?
Nuno Vasques tem a palavra:
“Tenho um contrato com o deputado. Fiz questão, para que não haja nenhuma interferência política, seja local, seja regional, de assinar um contrato de arrendamento de 100% para mim. Nele consta que todas as questões editoriais são de minha responsabilidade.” Para evitar suspeitas, ele nem trouxe de Presidente Prudente o título eleitoral.
Vasques afirma que quer tocar a rádio de forma independente. Bittencourt reforça: “Se houver alguma cachorrada, não deixaremos de denunciar’. Vasques diz que ficou com uma só obrigação em relação a seu sócio: transmitir boletins da Assembléia Legislativa. “Nosso jornalismo será muito forte”, promete. “Eu, particularmente, gosto muito da CBN, mas, pelo seu nível cultural, a cidade ainda não comportava uma retransmissora da CBN. Utilizei algumas idéias da CBN, trouxe dois ex-alunos meus recém-formados, um [Ricardo Bispo] do interior de São Paulo, Presidente Prudente, de onde eu sou, e outro de Maringá, o Elton. E estou treinando algumas pessoas aqui.”
O professor de comunicação e dono de cartório relata ter feito algumas parcerias em jornalismo. “Sempre, obviamente, citando a fonte”, assegura. “Tudo aquilo que eu ensinava em sala de aula, não posso agora fazer o contrário.”
“É uma emissora comercial?”, pergunta. E responde: “Sim, é uma emissora comercial. Porém, o jornalismo não tem preço”.
Bittencourt prevê que não bastará retransmitir o Observatório da Imprensa. Será necessário “explicá-lo”. “Mesmo o noticiário que transmitimos não é entendido por todos. Alguns telefonam reclamando. A referência da maioria é o Ratinho”, lamenta. Ele leva mais longe a função de explicar. Participa, numa escola municipal, de atividades de “Educomunicação”, para “ensinar as crianças a encarar a mídia de modo crítico”.
Sobre o interesse em retransmitir o Observatório da Imprensa, Vasques, o diretor, diz que durante anos, como coordenador de curso de comunicação, em Maringá, usou o conteúdo deste site e do programa de televisão.
“Quero o Observatório justamente porque pretendo que a rádio seja também um instrumento de educação, até de alfabetização para a cidade, que é – demais – carente”, diz Vasques. “Aqui ainda há muitos resquícios de coronelismo, e eu acredito que só através da educação, do jornalismo e dos meios de comunicação vamos poder reverter essa situação”.
Rádio comunitária nega fins comerciais
A professora Jaeni de Faria Miranda está entre os nove sócios fundadores da Associação Movimento Comunitário Rádio Educativa FM de Paranatinga. “Trabalhamos dentro dos parâmetros de rádio cultural”, diz Jaeni. “Atendemos o povo, colaboramos em educação, saúde, nosso trabalho é voltado para as comunidades. E temos apenas colaboradores culturais”, nome que usa para se referir ao “apoio cultural” previsto na legislação.
A professora afirma que a emissora não tem fins lucrativos, é uma ONG. “Tanto que todos os sócios trabalham em outras atividades. Eu mesma sou professora da rede estadual em dois períodos”. Jaeni garante que a rádio, fundada há dez anos, não tem vínculos políticos e já foi objeto de repressão da Polícia Federal. “Levaram todos os nossos CDs, as pessoas nos ajudaram a refazer a discoteca”.
Padre é fã da Educativa FM
Se depender do padre de Paranatinga, o missionário redentorista Elder Henrique Souza, chegado há quatro anos, as duas rádios rivais da cidade, a Ideal FM e a Educativa FM, estão abençoadas. “As duas rádios são essenciais na formação do homem, para que ele tenha amor à natureza, a si mesmo, e possa ser um grande parceiro na edificação de uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária”, contemporiza o padre.
Mas ele reserva elogios para a Rádio Educativa: “Ouço-a todos os dias. Sempre a utilizei, no bom sentido, para anúncios da paróquia. E sempre me atenderam em bases voluntárias. Eles transmitem muitos comunicados – de Fulano que foi para a fazenda e manda dizer a Sicrano que o espera lá, por exemplo”.
É um meio, diz o padre, formado em Comunicação Social em São Paulo, que “muito colabora, presta serviço à comunidade”. Souza não percebe“nenhuma infiltração política”. Atribui a rivalidade “à concorrência comercial” entre as duas emissoras.
Latifúndios e miséria
O padre fala do tamanho imenso do município e da pobreza da população. Menciona “resquícios da garimpagem”. Diz que existe “uma pequena camada de pessoas muito ricas, que possuem grandes propriedades, latifúndios, e uma grande massa miserável, abaixo da linha da pobreza”. A paróquia atende mensalmente com cestas de alimentos entre 180 e 200 famílias. A miséria é detectada também pelo trabalho da Pastoral da Criança, diz Souza.
Ele avalia que, do ponto de vista social, a situação piorou nos últimos tempos. “Há uma aglomeração, um inchaço, aumentou o número de roubos”. Mas a violência não se reduziu? “Em relação ao tempo em que a cidade era chamada de Paranabala, sim, muito. As histórias que se contam aqui são quase inacreditáveis”.
Em relação à destruição ambiental, o padre diz que há avanços. Aumentou a demanda por fiscalização. Diminuiu o número de madeireiras e serrarias ilegais. “Era uma clandestinidade gigantesca”. A contrapartida negativa é que resultou muita gente desempregada.
Souza faz uma crítica à qualidade do pessoal que trabalha nas rádios: “Precisaria melhorar um pouquinho. A gente ouve cada coisa… Quem sabe um bom curso de comunicação ajudaria?”, sugere.