Garimpo os jornais do dia e, com alguma freqüência, as revistas semanais, à procura não só de material que me permita comentar e abrir uma discussão sobre esse ou aquele aspecto do comportamento da imprensa, mas também de textos – reportagens, entrevistas, artigos, editoriais – que, no meu modo de ver, expressam o que de melhor se publicou naquela data a respeito de um dos assuntos do momento.
Com a transcrição desses textos, busco o mesmo resultado que me motiva a pôr no ar as minhas próprias opiniões sobre mídia, política e sociedade – a razão de ser deste Verbo Solto -: disseminar informações, estimular reflexões e fomentar discussões.
Hoje, a matéria-prima de lavra alheia que merece ser divulgada é a substantiva coluna de Merval Pereira, no Globo, intitulada ‘Ações inconseqüentes’, sobre a Operação Navalha.
Vale a pena ler porque é um desses artigos analíticos calçados em fatos e enriquecidos por opiniões de terceiros – o que o aproxima mais de uma reportagem do que de uma deitação de regras na base do achismo.
E porque uma das fontes ouvidas, o publicitário Jorge Maranhão, amplia a abordagem das ações inconsequentes de que fala Merval, trazendo à cena o papel da opinião pública e da mídia diante da impunidade dos criminosos de colarinho branco presos com o costumeiro espalhafato.
Maranhão critica a imprensa por dar insuficiente atenção ao Judiciário, o que ele entende ser indispensável à receita histórica de construção das democracias. Vai mais longe. Sustenta que ‘está faltando na mídia mais sociedade civil, mais tribunais e menos Lula’ – com o que ele claramente quer dizer menos pírotecnia na cobertura das ações e palavras dos governantes de turnos.
O artigo:
‘O que fica das operações espetaculosas da Polícia Federal? O que aconteceu com as mais de 5.200 pessoas presas em nada menos do que 284 operações realizadas desde 2003? O trabalho da Polícia Federal começou discretamente — em 2003, foram apenas nove operações, com 223 presos —, foi aumentando de intensidade e repercussão, e chegou, em
A grande maioria dessas pessoas algemadas sob os holofotes espetacularmente foi solta, e não há notícia do que aconteceu com todas essas acusações. A sensação de impunidade só faz crescer diante dos resultados pífios dessas ações policiais.
A banalização das prisões pode convencer os delinqüentes de que tudo será esquecido rapidamente.
As operações da PF começaram a ganhar notoriedade pelos nomes criativos que utilizavam — Operação Faroleiro, em 2002, que prendeu, entre outros, o doleiro Toninho da Barcelona, ou Operação Gafanhoto, em 2003, que prendeu o ex-governador de Roraima Neudo Campos, e diversos outros políticos e funcionários públicos que criavam funcionáriosfantasmas para fraudar as contas no estado.
Ou Cavalo de Tróia, realizada em novembro de 2003 nos Estados do Pará, Goiás, Maranhão e Piauí, para prender uma quadrilha especializada em cometer crimes pela internet, contra bancos e clientes. Ou Feliz Ano Velho, em janeiro de 2004, que prendeu grupo organizado ligado à falsificação de Autorizações para Transporte de Produtos Florestais emitidas pelo Ibama.
A Operação Pororoca, prendeu 25 pessoas no Amapá, Minas Gerais, Pará e Distrito Federal, acusadas de participar de quadrilha que fraudava licitações. Entre os presos estavam o ex-senador pelo Amapá Sebastião Rocha (PDT) e o paraense Fernando de Souza Flexa Ribeiro, que acabou sendo solto e hoje é um dos senadores da República.
A Operação Narciso foi a mais chamativa de 2005, com a PF, Receita Federal e o Ministério Público Federal operando em conjunto, com mandados de busca e apreensão e de prisão temporária
A Operação
O ex-ministro da Saúde Humberto Costa foi denunciado, e a compra de ambulâncias superfaturadas virou cavalo de batalha entre governo e oposição nas campanhas eleitorais.
A compra por petistas de dossiê tentando envolver o então candidato ao governo de São Paulo, José Serra, no esquema de fraudes acabou sendo o pivô de uma crise política na campanha do presidente Lula.
Até agora, muito poucas ações concretas resultaram de todo esse aparato policialesco que, se tem o valor de mostrar que ninguém está a salvo, com escutas telefônicas para apurar desde o tráfico de drogas e de mulheres até o desvio do dinheiro público, mostra também que as consequências punitivas são irrisórias. E que muitas vezes a truculência policial não tem a correspondência nas provas legais.
Esse desânimo da sociedade pode ser resumido em algumas mensagens que recebi sobre o tema. Pedro Paulo Tolentino Álvares acha que o caminho para conseguir punições “é estabelecer uma legislação rígida prevendo pena longa de prisão para quem sonegar imposto de renda. Enquanto isso não for implementado, só vamos ver muita pirotecnia e pouco resultado”.
Henrique Sergio Pio Cavalcanti propõe que o jornal lance um caderno a cada 30 dias, ou menos, com balanço de todas as operações da PF e os resultados das investigações “de todos os últimos escândalos”, para que o assunto não saia do foco da mídia.
Já Michel Corniglion concorda que a corrupção no país “é endêmica, e está entrelaçada nos três poderes, há décadas”. Para ele, ela “só poderá ser aliviada no dia em que os homens de bem tiverem a audácia dos canalhas e acabarem com a pior saga do Brasil, que se chama impunidade”.
Roberto Legey diz que “pilantras poderosos da República não estão nem aí para as conseqüências. Os Delubios, Genoinos, Silvinhos, Waldomiros, Euricos e que tais não estão nem um pouco preocupados. O Delubio não disse que tudo vai virar piada de salão? Pois é o que vai acontecer. Após os raios e trovoadas da PF nessas operações, sabemos que nossos doutos juízes e desembargadores transformarão tudo em inaudíveis traques!”.
Esse estado de espírito da cidadania preocupa outro leitor, o publicitário Jorge Maranhão, envolvido há muito tempo em movimentos de valorização da cidadania e que tem até um site para promovê-la www.avozdocidadao.com.br .
Ele está convencido de que é preciso esclarecer o cidadão sobre o funcionamento do Judiciário: “Para uma opinião pública que desconhece a função e o processo judiciários, vai ficando cada vez mais claro que, se a polícia prende e a Justiça solta, pelo menos a polícia prende! E se, além de elementos do Executivo e Legislativo, prender mais do próprio Judiciário, melhor ainda”.
Ele adverte que “o efeito colateral” da situação que vivemos “é a prostração e o ceticismo da cidadania, ampliado pelo cinismo e a omissão equívoca das elites. Quanto mais espaço a mídia der ao Judiciário, maior a possibilidade de conscientização e atuação da cidadania. É modelo histórico de construção das democracias”.
Maranhão critica os meios de comunicação: “Se as instituições da democracia têm de funcionar a despeito do inquilino do Planalto, está faltando na mídia mais sociedade civil, mais tribunais e menos Lula”. Para ele, “a única alternativa democrática é nos exigir responsabilidade política na construção das instituições. Exigir a volta do Estado às suas funções essenciais”.
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