No seu habitual artigo de começo de mês, publicado este domingo no Estado e no Globo, o ex-presidente Fernando Henrique afirma:
“Parte da mídia, talvez de boa fé, reproduz acriticamente as bazófias governamentais e não dá voz ao ´outro lado`”.
Mesmo em um artigo “de combate”, como esse, por oposição ao que poderia ter sido um artigo “de análise”, a distância entre as palavras e os fatos há de ter limites.
É falso que a mídia reproduza “acriticamente” as manifestações de Lula e do seu governo. Os grandes jornais, por exemplo, publicam frequentes editoriais de crítica aos pronunciamentos do presidente e à propaganda oficial.
Para não falar no que sai na revista semanal de maior circulação no país.
Quanto a não dar voz ao outro lado, basta a matéria de capa da revista Istoé desde ontem nas bancas para evidenciar o absurdo da queixa fernandina. Lá está ele, atacando, como diz a chamada, ao lado da citação: “A ética do PT é roubar”.
Na realidade, é o outro lado que tem motivos legítimos para se queixar de não ter acesso em pé de igualdade com o lado que se lhe opõe.
A Folha e o Globo, nessa ordem, até que dão voz aos governistas (e aos seus críticos de esquerda). No jornal paulista, um dos articulistas frequentes, para citar só um nome, é Emir Sader. No jornal carioca, por exemplo, tem Veríssimo todo domingo no caderno nobre.
Mas o Estado, justamente onde Fernando Henrique escreve, é um deserto de homens e idéias “do outro lado” nas páginas de opinião.
No mesmo Espaço Aberto (a página 2 do Estado) onde aparece hoje a verrina do ex-presidente, o solitário lugar deixado vago pelo ex-presidente petista José Genoíno, quando caiu no processo do chamado “mensalão”, não foi ocupado nem por seus sucessores (Tarso Genro e depois Berzoini), nem por qualquer outro representante do seu lado.
E Veríssimo faz tempo que foi mudado para o caderno cultural.
Em matéria de economia, então, pode-se dizer que os artigos assinados tendem a se dividir em dois grupos: o dos que concordam com os editoriais do jornal sobre o assunto, e o dos que concordam plenamente com eles.
Isso não depõe contra os articulistas. Eles escrevem o que pensam. Mas nenhum órgão da mídia chamada mainstream, ou convencional, deveria publicar apenas artigos que pudessem ser vistos como a continuação dos seus editoriais por outros meios.
P.S.Os leitores que me acusam de cumplicidade com o que entendem ser a política de dois pesos e duas medidas da mídia – assim, indistintamente –, quando trata das denúncias de corrupção lançadas ao governo e quando trata daquelas lançadas aos denunciantes, parecem esquecer um “pequeno detalhe”:
Se as acusações ao PT e ao governo veiculadas pela imprensa fossem pura fabricação, nem a cúpula do partido teria dançado, nem Tarso Genro teria defenido a “refundação” da legenda, nem, muito menos, o presidente Lula teria dito que foi traído e pedido desculpas aos brasileiros.
Menas, gente, menas.
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