Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O perigo é o bafo na nuca

A imprensa está mergulhada numa competição feroz por novos fatos escandalosos – tenham ou não relação direta com a cobrança de propinas nas estatais e com o suposto esquema do “mensalão”.

Não há assuntos – nem nomes – proibidos nessa busca. Segundo inconfidências, pelo menos um jornal e uma revista estariam atrás de formas de uso de dinheiro público que poderiam, se confirmadas, criar problemas para um ocupante do Palácio do Planalto.

Melhor que a mídia investigue por conta própria o que acha que existe para investigar do que ser, passivamente, mala de áudios, vídeos e grampos alheios.

O risco é o de sempre: o bafo da concorência na nuca levar o bafejado a divulgar suspeitas prematuramente, para não perder o furo, mesmo que nesse processo se perca a distinção entre fatos e presunções, culpas caracterizadas e indícios contestáveis.

A esperança também é a de sempre: que injustiças passadas – irreparáveis, muitas vezes, para quem as sofreu – sirvam de freio para divulgações tão bombásticas como refutáveis. Tranquiliza, a propósito, o fato de que, desde o começo de tudo, a filmagem nos Correios, a imprensa não saiu desacreditada de nada do que bancou.

Três casos de disse-não-disse

A Veja, por exemplo, atribuiu ao então ministro José Dirceu a pesadíssima afirmação de que “uma CPI minimamente bem feita não deixará de pegar o Delúbio e o Silvinho [secretário do PT]”. Dirceu negou, mas as entrevistas do deputado Roberto Jefferson e a descoberta dos milionários saques em cash do publicitário Marcos Valério, amigo confesso do primeiro, deixaram na marca do pênalti não a revista, mas o ex-ministro e os citados.

A Veja também levou a melhor no disse-não-disse com o ex-presidente do Instituto de Resseguros, Lídio Duarte. Ele desmentiu ter acusado Jefferson de tê-lo pressionado para arranjar R$ 400 mil mensais para o PTB. Depois que a revista deu a fala gravada, ele só teve a saída desonrosa, à maneira de Maurício Marinho, de dizer que mentira.

Nesse cenário entra a queda de braço do Planalto com o repórter Kennedy Alencar, da Folha. Ele escreveu ontem que Lula disse, “numa série de desabafos recentes”, que Dirceu e Delúbio não mereceram a sua “confiança”. Hoje, a Folha deu que a assesoria de imprensa da presidência considerou que “carece por completo de fundamento” a informação do repórter.

O jornal, de qualquer forma, bancou a notícia e reproduziu as passagens mais quentes das frases atribuídas a Lula. Ele teria dito: “Olha a fria em que meteram o meu governo. Nunca pedi a ninguém que desse dinheiro a ninguém em meu nome.”

Mas teria dito também, numa aparente contradição: “Não acredito que tenham feito isso [o mensalão].” Ora, se não acredita, por que teriam sido eles os que meteram o governo numa fria? E, se não acredita, porque desmereceram a sua confiança?

A serem confiáveis a fontes de Kennedy, Lula também fez duras críticas a um “péssimo hábito” de Dirceu: “montar aparelhos”.

Uma hipótese e um comentário. A hipótese: o vazamento faria parte de uma estratégia de blindar o presidente da República – o nível das águas turvas não pode de modo algum subir além da marca correspondente a Dirceu e outros hierarcas do PT. O comentário: tendo Lula dito ou não o que lhe foi atribuído, o desmentido era tão certo como a noite que se segue ao dia; se não disse, por motivos óbvios; se disse, por imperativos óbvios.