O debate sobre a regulamentação da imprensa está colocado num contexto inapropriado. Na polêmica entre governo e as empresas de comunicação ambos deixam de lado o principal protagonista: o cidadão, que é o maior interessado numa informação de qualidade. Enquanto ele não for levado em conta, a questão tem tudo para se transformar num debate entre deficientes auditivos.
Muita tinta e muitos bytes têm sido gastos no debate sobre as relações entre imprensa e governo, especialmente quando é abordado o tema regulamentação. As empresas de comunicação exigem que o governo fique longe da imprensa enquanto o Poder Executivo pretende impor novas regras à mídia alegando sua condição de representante dos cidadãos.
Acontece que tanto a indústria da comunicação como o governo usam os argumentos mais sintonizados com os seus interesses imediatos, deixando de lado os que não lhes agradam. Para começar, vamos à reivindicação das empresas. Pedir que o governo não influa sobre a imprensa é pedir o impossível e o irreal.
O poder central sempre interferiu e continuará interferindo na comunicação por uma razão muito simples: o equilíbrio financeiro das empresas jornalísticas brasileiras depende também das verbas oriundas da publicidade estatal e do pagamento de serviços prestados ao Estado.
As autoridades se escudam no argumento do interesse público para buscar uma mudança de regras que lhe traga benefícios políticos na disputa com a imprensa pelo acesso aos corações e mentes dos brasileiros
Como a interferência oficial é uma situação de fato determinada, entre outros fatores, também por questões de ordem econômica e institucional, o problema central não é SE mas COMO o governo vai intervir nos veículos de comunicação do país. E qual o tipo de interesse embutido na ação estatal.
Não é segredo que o Poder Executivo, em países como o Brasil, se transformou num grupo de interesses como qualquer outro existente no meio empresarial, não governamental (ONGs) e partidário. O governo, apenas longinquamente, representa o interesse popular porque a mediação entre eleitos e eleitores se tornou tão complexa e burocrática que na verdade ela é apenas uma vaga sombra do que foi no passado. O poder público foi empurrado para uma posição tão corporativa quanto a de uma associação de empresários, sindicato ou clube esportivo.
Se deixarmos a questão da comunicação social entregue às leis do mercado como querem as empresas, não há muitas dúvidas de que acabará prevalecendo o interesse corporativo das indústrias jornalísticas, por exemplo. Se, por outro lado, o governo assumir plenos poderes na regulamentação da mídia, passaremos a ter uma comunicação tutelada pelos interesses políticos do grupo no poder.
Este dilema não é novo e está na origem de um impasse que se arrasta há décadas. Hoje ele se tornou ainda mais crucial porque a informação passou a ter uma relevância em nosso quotidiano muitíssimo maior do que no passado. E só não foi rompido porque tanto as indústrias como o governo deixam de lado um terceiro protagonista, a sociedade, onde possivelmente esteja a chave para o — até agora estéril — debate sobre a regulamentação da imprensa.
É ela quem pode frear os interesses comerciais e financeiros dos conglomerados da mídia e a obsessão eleitoral dos grupos políticos que ocupam o Executivo. Isso porque o cidadão é ao mesmo tempo consumidor e eleitor, logo pode contrapor-se a ambos. Até agora a sociedade tinha uma enorme dificuldade para se articular de forma independente porque tinha escasso acesso à informação. Hoje, no entanto, a internet está mudando rapidamente esta situação.
As indústrias da comunicação têm os equipamentos, a expertise e uma longa experiência acumulada do setor. Hoje elas vivem uma crise de modelo de negócios que as levou a uma preocupação quase obsessiva com a sobrevivência econômica, deixando em segundo plano as preocupações com a prestação de serviços informativos aos cidadãos. Isso forneceu o pretexto para que o governo, e os interessados em assumir o poder, passassem a propor fórmulas regulatórias variadas.
No quadro atual seria uma loucura provocar o sucateamento da imprensa só porque seus dirigentes não conseguem ver que o seu modelo de negócios deve mudar radicalmente. Por outro lado, o governo não pode ficar de fora na busca de soluções porque tem os recursos e os meios necessários para garantir à sociedade uma participação majoritaria na fixação das regras da comunicação social.
Se em vez de ditar modelos o governo promovesse mais conferências, fóruns, seminários, audiências públicas e principalmente usasse a interatividade da internet , as pessoas comuns teriam mais chances de expressar o que pensam, necessitam e desejam em matéria de comunicação.
Não é uma fórmula mágica, nem ideal e muito menos definitiva. Mas é melhor e mais realista do que os fóruns empresariais onde só participam executivos ligados ao negócio da comunicação ou eventos oficiais onde predominam interesses político-partidários.