O Estado e a Folha informam hoje que o procurador-geral da República, Antonio Fernandes Souza, entrou sexta-feira no Supremo com uma ação direta de inconstitucionalidade para remover da Lei de Biossegurança o artigo que autoriza o uso de células-tronco embrionárias para pesquisas com fins terapêuticos.
Células-tronco, ou indiferenciadas, são as que dão origem à miríade de células especializadas que formam os organismos complexos, como o dos humanos.
Os biólogos acreditam que elas poderão ser usadas para reparar tecidos lesionados por acidentes ou doenças degenerativas hoje incuráveis, substituíndo as células danificadas. Essa é a fronteira mais avançada das pesquisas biomédicas no mundo.
Em geral, os religiosos se opõem a elas sob a alegação de que a vida começa na fecundação, sendo portanto vida o ajuntamento de uma centena de células embrionárias com alguns dias de formação que os cientistas chamam de blastocitos – o material para as suas pesquisa.
A Lei de Biossegurança, aprovada em março e cuja regulamentação o presidente Lula prometeu para esta semana, estabelece controles estritos para os experimentos com células-tronco, combatidos intensamente pelas bancadas evangélica e católica quando o projeto tramitou na Câmara dos Deputados.
As pesquisas não poderão utilizar embriões extraídos para esse fim. Só aqueles que foram descartados em tentativas de fertilização chamada in vitro [inseminação artificial], congelados em laboratórios há pelo menos três anos. É ainda necessária a autorização do casal que os gerou.
Mesmo esses embriões que não prestam para ser implantados no útero materno e se desenvolver como fetos viáveis são considerados seres vivos pelos adversários das pesquisas com células-tronco embrionárias.
Embora os cientistas divirjam sobre quando começa a vida, uma forte corrente sustenta que o momento decisivo é o do início da atividade cerebral. Por analogia com a definição mais aceita de morte clínica – quando cessa a atividade cerebral.
Antes dos 14 dias de formação – data limite para o uso das células-tronco – não há vida cerebral humana. Pela inexistência de sistema nervoso no embrião.
‘Valores não-científicos’
Mas o procurador-geral da República sustenta que, ao autorizar as pesquisas com células-tronco embrionárias, a Lei de Biossegurança atenta contra o artigo 5º da Constituição, que garante o direito à vida. [Por causa desse artigo, aliás, não pode haver pena de morte no Brasil.]
A iniciativa do procurador é legítima – e o Supremo existe exatamente para dizer o que é constitucional e o que não é.
Menos defensável, a julgar pela matéria da repórter Gilse Guedes, da sucursal de Brasília do Estado, terá sido a decisão do procurador de embasar a sua ação apenas em pareceres de cientistas que dizem que a vida começa no momento da fecundação.
Como diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP, citada na reportagem, o procurador só escutou o que desejava, descartando os pontos de vista contrários à sua tese, que para ela se baseia em “valores não-científicos”.
O registro do procedimento do procurador-geral da República é o que distingue a matéria do Estadão.
E isso em um assunto de extrema importância – pois, se os defensores dos estudos com células-tronco de embriões estiverem certos, o resultado será nada menos do que uma revolução científica, em favor da vida de milhões de portadores de doenças terríveis e sem cura.
Agora, assim como certas pessoas podem se recusar a receber transfusão de sangue, por motivos religiosos, nenhuma lei obrigará as vítimas daquelas enfermidades a receber os implantes celulares presumivelmente capazes de livrá-las dos seus atrozes sofrimentos – se as suas crenças religiosas acharem isso um pecado.
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