A cada novo episódio no noticiário nacional e internacional torna-se mais intensa a discussão em torno do que é o jornalismo. No início parecia um debate esdrúxulo e fora de contexto, mas agora começam a ganhar corpo novas ideias, entre elas a que caracteriza a profissão não mais como a habilidade de identificar, investigar e publicar notícias, mas como uma atitude individual diante de um fato, dado ou evento capaz de afetar a vida de pessoas e comunidades inteiras.
Trata-se de uma diferença aparentemente sutil, mas que é a ponta de um iceberg de grandes proporções. O jornalismo como uma habilidade e uma competência [não são a mesma coisa: habilidade é a capacidade física e intelectual para executar uma ação; competência é o poder institucional ou organizacional de exercer esta habilidade] reflete o seu posicionamento numa linha de produção de notícias, quase um processo industrial. Como atitude, ele passa a estar vinculado a valores e seu exercício já não depende de condicionamentos econômicos, mas sim políticos.
Tudo isso a partir do surgimento de um novo contexto informativo e de situações na quais não é mais o jornalista quem decide o que é ou não notícia, mas pessoas comuns. A pessoa que testemunha um crime pode silenciar ou denunciar o fato. É uma questão de atitude. E se ela resolve publicar a sua reação num blog, estará praticando um ato jornalístico, mesmo sem ser jornalista, por torna possível a divulgação de um fato, dado ou evento capaz de afetar a vida de cidadãos em comunidades sociais.
O discurso convencional não faz distinção entre a habilidade profissional e o que conforma uma atitude jornalística. Quando ambas são misturadas, uma serve de justificativa para a outra. O surgimento da arena digital no campo da informação jornalística mudou essa realidade ao viabilizar a figura do cidadão comum como praticante de atos de jornalismo, cada vez mais influente na formação da agenda pública de debates.
Com isso o conceito de atitude jornalística passou a ser mais valorizado até mesmo do que as habilidades e competências no exercício da atividade. A atitude passou a ser inclusive um elemento que está alterando a tradicional rejeição de posturas militantes dentro do jornalismo.Pelo quesito habilidade, cuja base são os manuais de Redação, o jornalista não pode defender causas porque isso comprometeria sua independência e credibilidade. Mas quando a atitude passa a ser valorizada, o ativismo informativo começa a não ser mais visto como um pecado capital na profissão.
Tome-se o recente caso do ex-especialista da CIA em espionagem eletrônica Edward Snowden, autor da denúncia que abalou a diplomacia mundial sobre quebra da privacidade nas comunicações digitais (redes sociais e correio eletrônico). É cada vez maior o número de pessoas, inclusive jornalistas, que justificam a atitude de Snowden como um ato movido por uma atitude jornalística, ou seja, sua preocupação em tornar público um projeto que violou a privacidade dos usuários da internet.
A mesma justificativa foi aplicada ao jornalista e blogueiro inglês Glenn Greenwald que, além de publicar as denúncias do ex-agente da CIA, qualificou o ato de Snowden como serviço aos milhões de usuários da internet. Aqui no Brasil tivemos, na história recente, vários episódios de denúncias feitas por cidadãos contra parlamentares, empresários e funcionários públicos que acabaram gerando escândalos políticos e processos criminais. A justificativa para a publicação de tais denúncias foi a mesma do caso Snowden – a defesa de uma atitude vinculada ao interesse público.
Tanto no caso Snowden como na cobertura do escândalo do mensalão brasileiro não houve questionamentos mais vigorosos à habilidade e competência dos que levaram as denúncias ao conhecimento público. Toda ajustificativa ficou no terreno das atitudes e valores, o que mostra como a avaliação do jornalismo deixou de ser uma questão objetiva, como seguir ou não seguir os manuais de Redação, para tornar-se um problema carregado de subjetividades.