Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O suplente de Delcídio

O Globo publicou ontem (3/9) reportagem, replicada à noite no Fantástico, sobre a farra dos suplentes de senadores, que não recebem um mísero voto e herdam mandatos. Faltou dizer com clareza que em muitos casos os suplentes são os grandes financiadores das campanhas eleitorais dos eleitos. O Globo menciona o caso do suplente de Delcídio Amaral, do PT de Mato Grosso do Sul, Antônio João, do PTB, ‘dono de empresas de comunicação no estado’, diz o jornal.


Não se sabe se por pudor ou por preguiça, o Globo deixou de explicitar que Antônio João é dono do Correio do Estado, da TV Campo Grande e das emissoras  de rádio FM 94 e Rádio Cultura AM de Campo Grande. Como foi publicado neste Observatório seis dias após a posse do suplente: ‘Na vaga de Delcídio, dono de jornal, rádio e TV‘.


O repórter Chico de Gois escreveu que Delcídio ‘tergiversou sobre seu financiador’. E citou o ex-senador, agora candidato ao governo do estado: ‘Não lembro se ele contribuiu com [sic] minha campanha’. Mas era só ter conferido no site da Transparência Brasil www.asclaras.org.br, como fez o Observatório. O repórter encontraria, na lista de doadores oficiais, as seguintes parcelas: Rádio Jornal Emp. Jorn. Mato-Grossense (nome da empresa de Antônio João), R$ 81 mil; Antônio João Hugo Rodrigues, R$ 41,5 mil. A menção a esses 122,5 mil reais poderia refrescar a memória de Delcídio Amaral. Se é que não há na lista outras pessoas ligadas às empresas de Antônio João.


O Globo prestaria um bom serviço se publicasse a lista dos suplentes de senadores que assumiram os mandatos nos últimos 24 anos, desde as eleições de 1982. Encontraria desde aliados políticos que não tinham um centavo de dinheiro até magnatas que não tinham um pingo de militância política até chegar à Câmara Alta do Congresso Nacional. Melhor ainda seria o serviço se levantasse as votações importantes de que participaram esses suplentes, em sessões do Senado ou em sessões conjuntas do Congresso.


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Propaganda de bebidas alcoólicas


Dois jornais do Rio dão hoje manchete sobre a tragédia que matou cinco jovens em acidente de trânsito ontem na Lagoa Rodrigo de Freitas, de madrugada, ao sair de uma boate.


O Jornal do Brasil fica no fato: ‘Acidente mata cinco jovens’. A explicação para o destaque está no início do antetítulo: ‘Desastre na Lagoa…’


O Dia capta um contexto maior: ‘Acidentes matam 50 jovens por mês no Rio’.


O Globo não dá manchete, mas dá alto de página: ‘Velocidade custa vida de 5 jovens na Lagoa’.


Em todas as reportagens trabalha-se com a hipótese de que o motorista estivesse alcoolizado, o que é contestado por um jovem que havia passado a noite com o grupo na boate. Não importa se exatamente esse rapaz estava ou não alcoolizado. O fato é que muitos bebem muito mais do que seria razoável.


No Jornal do Brasil, o editor de Cidade, Gustavo de Almeida, pede em pequeno editorial a intensificação das campanhas contra a embriaguez no trânsito, também objeto de um boxe ao lado da reportagem principal. 


Nenhum dos jornais questiona a mistura de jovens – em especial mulheres bonitas – e bebidas produzida e veiculada diariamente nas principais emissoras de televisão do país. É um assunto que o Conar, Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, diz que enfrenta, mas não enfrenta.


Em reunião do hoje indolente Conselho de Comunicação Social (órgão auxiliar do Senado) em 6 de março deste ano, relatou-se a participação do psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, pouco mais de um ano antes, quando o CCS ainda era presidido pelo advogado José Paulo Cavalcanti Filho.


Laranjeira ‘destacou os danos que as bebidas alcoólicas causam à população brasileira, apontou o aumento do consumo e propôs um conjunto de medidas: a primeira é a restrição da propaganda do álcool; a segunda, é uma política de preços para os produtos, ´porque não existe país no mundo onde o preço do álcool seja mais barato do que no Brasil´; a terceira medida seria a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de idade; o quarto grupo de ações seria a implementação das restrições do beber e dirigir’, diz a ata da reunião.


Três argumentos foram apresentados pelo médico:


“O primeiro aspecto que considero muito importante seria uma forma de regularmos o debate, a expressão da palavra, porque, como falei, quem tem dado as informações sobre álcool para a população brasileira, especialmente para os jovens, é a indústria do álcool.


O segundo argumento é que a propaganda influencia e educa principalmente os setores mais jovens da sociedade, para quem álcool significa festa. Falar contra o álcool – eu o faço e muitas vezes sou ridicularizado – é impopular. Impopular deveria ser falar que álcool é festa. O que dizer dos 4% de pessoas que morrem e dos 20% de famílias vitimadas pela violência doméstica por causa do álcool? É a mesma coisa, o mesmo fenômeno. Por tudo isso, faz sentido restringir a propaganda, porque educa da pior forma possível a consciência com relação ao álcool.


O terceiro aspecto é que a propaganda estimula o consumo. Quanto maior a exposição de propaganda aos adolescentes, maior o consumo. Isso é muito importante saber, principalmente num País onde o acesso à educação de saúde é tão restrito. Não se deve deixar uma geração de brasileiros exposta à propaganda do álcool’.


Laranjeira noticiou a criação da Aliança Cidadã pelo Controle do Álcool e do site Propaganda sem bebida. Por que a mídia não divulga regularmente esse endereço eletrônico?  


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Na dureza


João Máximo fez no Globo de sexta-feira (1/9) a crítica da estréia do show de Chico Buarque. Competente, como sempre. Mas dá tristeza ler, no pé da matéria: ‘João Máximo viajou a convite dos promotores do show’. O show foi em São Paulo, não foi nem em Paris, nem em Nova Iork. O jornal aceitou que promotores do show pagassem a passagem para São Paulo e a hospedagem de seu colaborador.


Não se trata de entrar no mérito dos problemas da caixinha para viagens da Redação do Globo. Certamente existem. Mas imagine-se o espanto do jornalista encarregado da seção Há 50 Anos, daqui a 50 anos, quando topar, na coleção do jornal, com essa confissão de pão-durismo administrativo. É capaz até de duvidar da importância atribuída a Chico Buarque pelos contemporâneos.


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