É patética a imagem que ocupa quatro colunas da primeira página da Folha de hoje. Fazia tempo que não se via na grande imprensa brasileira uma cena explícita de jornalismo barato como a que mostra Karina Fernandes, a ex-secretária de Marcos Valério, de sutiã de oncinha, reclinada sobre um fundo vermelho, com um sorriso de 400 dentes.
Pior do que essa, só as cinco fotografias da reportagem da Revista da Folha, que anuncia na chamada da capa – sob o infeliz jogo de palavras “Musa da inconfidência” –que ela “lança sua candidatura a celebridade”.
As poses, a maquiagem, as roupas, os cenários, a iluminação, os retratos e as caras e bocas da retratada – tudo aí é constrangedor.
A senhora Fernanda Karina pode ser candidata ao que queira. Você já leu neste blog [“A agenda eleitoral de Karina, de 13 de julho”] que, sendo a cultura de massa o que é, ela ainda iria aparecer nua na Playboy.
De fato, depois ela espalhou que estava em negociações com a revista. Mais do que depressa, a publicação tirou o time de campo. Restou-lhe, quem diria, a revista domingueira do Folhão, basicamente um catálogo de anúncios antecedido e sucedido por um punhado de matérias e colunas.
Isso é de menos,porém. O jornal é o que interessa. Nada de errado, apresso-me a dizer, em publicar, onde for, fotos de pessoas menos ou mais vestidas, em situações menos ou mais convencionais.
Mas, ou se é um tablóide sensacionalista do gênero no qual os ingleses são imbatíveis, ou as imagens e os textos que se publicam só se justificam por critérios jornalísticos, no sentido ortodoxo da palavra: são notícia, informação nova, presumivelmente relevante e se possível original, para merecer a disputada Primeira Página (assim, em maiúsculas, como é grafada na Folha, por ser o equivalente a uma seção do jornal).
Mostrar a ex-secretária de Marcos Valério de sutiã de oncinha e olhar maroto só faria sentido em uma circunstância – aquela que faz as revistas de mulher nua escolher uma e rejeitar outra, entre as candidatas ao título – que as feministas têm toda a razão de julgar degradante – de “coelhinha”, ou o que valha.
Com todo o respeito, esse não é o caso da senhora Karina. No texto-legenda, ela aparece dizendo: “Acho uma bobagem essas mulheres que dizem que não tirariam a roupa por dinheiro nenhum.” Tem o direito de achar.
Mas, sem motivo jornalístico válido, como é visivelmente o caso – a não ser que os conceitos da Folha tenham mudado e eu não percebi – era de esperar que o jornal, embora não pagando dinheiro algum à pessoa de quem tirou parte da roupa, levasse em conta a sensibilidade, digamos, estética dos seus leitores.
A mesma que fez o sábio Vinícius de Moraes escrever: “As muito feias que me desculpem, mas a beleza é fundamental.”
A pergunta que tinha de ser feita
E por falar na Folha de hoje, o jornal traz uma entrevista de duas páginas inteiras com o prefeito paulistano José Serra, conduzida pela editora do Painel, Renata Lo Prete e pelo editor de Brasil, Fernando Barros e Silva.
É uma daquelas entrevistas sobre a vida e suas implicações: vai da crise do governo Lula à popularidade do entrevistado.
Até aí, tudo bem. Eu só não entendi uma coisa: depois que ele elogiou a decência do tucano Eduardo Azeredo – suspeito de ter usado dinheiro de Marcos Valério na campanha de 1998, em Minas – e principalmente depois que disse que “não se pode confundir o caixa 2 eleitoral com o caixa público, que é o desvio de dinheiro do governo”, por que os entrevistadores não lhe perguntaram, inocentemente, se ele mesmo já não recorreu ao caixa 2 em alguma de suas muitas campanhas eleitorais.
No contexto, era o tipo de indagação que não poderia deixar de ocorrer a entrevistadores experientes como os da dupla da Folha. Ficaram em dívida com o leitorado.