A cada eleição, os principais jornais demonstram crescente interesse em destrinchar os resultados das pesquisas de intenção de voto, não se limitando a destacar os números agregados do sobe-desce dos candidatos a cada semana.
No caso desta eleição presidencial, dois fatores parecem reforçar a tendência à divulgação mais detalhada das porcentagens e, principalmente, ao esforço de lhes dar sentido para o leitor.
Um é que, nos totais, o sobe-desce praticamente inexiste. Entra semana, sai semana, pouco se alteram as posições dos candidatos nos levantamentos dos diversos institutos. É possível que isso estimule os jornais a compensar a falta de emoção nos dados que se repetem recorrendo a mais análises sobre o que parece passar pela cabeça dos eleitores, enquadrados nas categorias habituais – faixa de renda, grau de instrução e região de residência.
O segundo fator é que essa desagregação, como dizem os estatísticos, traz a grande notícia da atual disputa – a existência de dois blocos distintos de eleitores: esquematicamente, os pobres, menos instruídos e nordestinos fechados com Lula, e os mais ricos, instruídos e sulistas pró-Alckmin.
Ressaltei essa característica na nota ‘Mídia não explora o fato raro desta eleição‘, de 31 de agosto.
Agora que passou a explorar, repórteres e comentaristas se puseram a enxergar algo além disso: não só a confortabilíssima vantagem de Lula junto ao eleitor-povão, como a aparente redução do cacife de Alckmin junto ao eleitor-elite.
Digo aparente pelo que se verá.
Trabalhando com os números do Datafolha até a semana passada, registraram que, entre os mais ricos [renda familiar de 10 mínimos para cima], Alckmin perdeu nada menos 10 pontos percentuais: tinha 13 à frente de Lula, ficou com 3 (38% a 35%). O mesmo padrão se verificou entre os eleitores com diploma de faculdade: o tucano, que tinha 9 pontos à frente do petista, ficou com 2, já então em situação de empate técnico (36% a 34%).
Mais de um colunista, como Teresa Cruvinel, do Globo, e o pesquisador Marcos Paulino, diretor do Datafolha, chamaram a atenção para a novidade. ‘A se confirmar esses resultados como tendências em próximas pesquisas, será a primeira vez que essa via terá mudado de mão de forma tão clara em uma disputa pela presidência’, observou Paulino. ‘Usualmente, as camadas mais privilegiadas do eleitorado dão o tom das alternâncias, difundindo-as para o restante da população. Nessa eleição isso ainda não se deu.’
Em outras palavras, os mais instruídos e bem de vida já não estariam fazendo a cabeça dos menos, como antigamente.
Mas o Datafolha de hoje sugere que é cedo para promover essa hipótese a fato consumado.
A distância entre Alckmin e Lula voltou a crescer no eleitor de mais 10 salários mínimos (era de 3 pontos, passou a nada menos de 27 pontos, pelo efeito combinado da alta de Alckmin (de 38% para 52%) e da baixa de Lula (de 35% para 25%).
Aconteceu mais ou menos o mesmo no eleitorado de nível superior. A vantagem de Alckmin, que havia praticamente desaparecido, agora é de 14 pontos (ele subiu de 36% para 43%, enquanto Lula desceu de 34% para 29%).
A Folha atribui a mudança ao tom mais agressivo da campanha tucana. Mas isso é o de menos no contexto deste artigo. A recuperação de Alckmin nesses segmentos do eleitorado mostra o tamanho do desafio que espera os jornalistas e pesquiseiros quando tentam – e é bom que tentem – ir além do óbvio ululante na interpretação da numeralha dos levantamentos.
Se, afinal, não se confirmar que mudou de mão a via da presumível influência de determinados grupos de eleitores sobre as decisões de outros – diferentemente do que indicou o diretor do Datafolha no texto citado -, mesmo assim terá valido a pena o empenho da mídia em ir mais fundo na leitura dos búzios eleitorais, ainda que ao preço de conclusões talvez prematuras.
Desde que joguem limpo com o leitor, reconhecendo os eventuais equívocos de interpretação. E desde que se lembrem do que dizia Winston Churchill: ‘A arte de fazer previsões consiste em fazê-las e depois explicar por que não se consumaram.’
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