Raimundo Rodrigues Pereira, um dos melhores jornalistas brasileiros de sua geração, publicou na edição desta semana da Carta Capital a reportagem ‘Os fatos ocultos’.
Ela foi para a capa com o título ‘A trama que levou ao segundo turno’ e um longo resumo explicativo:
‘A partir da trapalhada do PT,a mídia, em especial a Rede Globo, beneficiou o candidato turcano de forma decisiva, às vésperas das eleições presidenciais, com a divulgação das fotos do dinheiro e a ocultação de informações cruciais na cobertura do escândalo do dossiê’.
A matéria, apurada com a colaboração de outros dois jornalistas, soa crível – já não bastasse o currículo de credibilidade do autor.
Ele reconstituiu em detalhe a história divulgada pela primeira vez no site pessoal do repórter Luiz Carlos Azenha, a quem cita no texto.
A história é a do silêncio da mídia sobre a inside story da divulgação do dinheiro apreendido pela Polícia Federal, que serviria para comprar da mafiosa família Vedoin um suposto dossiê contra o ex-ministro da Saúde, José Serra, para desestabilizar a sua candidatura, afinal vitoriosa, ao governo de São Paulo.
A reportagem, a ser verdadeira, como tudo indica, é um libelo contra a grande mídia brasileira – no caso, Folha, Estado e Globo.
Os jornais e a emissora mostraram o dinheiro. Omitiram o que disse aos seus repórteres a fonte que lhes entregou um DVD com as fotos de pilhas de reais e dólares – e cujas palavras foram gravadas. O áudio existe e foi ouvido por muita gente, jornalistas e não-jornalistas.
A fonte saiu do armário no dia seguinte. É o delegado PF Edmilson Pereira Bruno.
O eventual visitante deste blog talvez se lembre do que leu aqui sobre o assunto.
Em 2 de outubro, no comentário ‘Foram os ´erros` e não o seu ´uso´’:
Se a mídia agiu certo ao cumprir o compromisso assumido com ele [Bruno] de não identificá-lo, errou feio ao não publicar, junto as fotos, o que ele disse ao entregá-las.
E no dia 3, no comentário ‘Cadê os bastidores das fotos do dinheiro?’:
(…) hoje como hoje parece que a mídia vai deixar baratinho, baratinho a verdade sobre o vazamento das fotos da dinheirama (…) A responsabilidade da imprensa nesse caso vai além da obrigação de tentar apurar os comos e os porquês de um ato que seguramente afetou os resultados do primeiro turno da eleição presidencial.
Vai além porque a mídia fez um pacto com o fornecedor das imagens (…) Até aí, tudo bem. Mas nenhum jornal, revista ou emissora contou o que ele disse aos repórteres na hora de entregar o material.
Do ângulo da responsabilidade da imprensa numa campanha eleitoral, é o que a reportagem de Raimundo tem de mais forte.
Ele conta quando, onde e como o delegado Bruno convidou quatro repórteres a receber dele as imagens comprometedoras para o PT. Incluíndo a já conhecida versão mentirosa que ele sugeriu fosse espalhada – o DVD teria sido roubado – para livrar a sua cara. Incluíndo a frase fatal também já divulgada:
‘Tem de sair hoje à noite na TV. Tem de sair no Jornal Nacional.’
Raimundo registra e rebate o argumento de alguns dos repórteres presenteados com o vídeo para justificar o silêncio sobre o áudio. O argumento: jornalista deve preservar o sigilo da fonte. O contra-argumento, aqui já exposto: o sigilo não se estende a declarações da fonte.´
Seria eticamente correto escrever, por exemplo: ‘Ao entregar o DVD, a pessoa que pediu para não ser identificada disse que…’
Não só seria eticamente correto, mas jornalisticamente indispensável, porque poria em evidência as motivações do policial e serviria de pista para tentar descobrir se ele agiu de comum acordo com interessados nos prováveis efeitos eleitorais da exibição pública das fotos.
Outros, pelo mesmo motivo, queriam manter as imagens longe do eleitor.
A reportagem de Raimundo identifica passagens mendazes nas matérias da Folha e do Estado a respeito. Ou seja, além da ocultação dos cruciais bastidores da notícia, dizeres desonestos.
Além disso, ele destaca a ‘omissão incrível’ da edição do Jornal Nacional que se ocupou largamente das fotos: nenhuma referência ao choque do Boeing da Gol com o jato executivo Legacy, de que se soube a tempo de entrar no JN daquela noite.
Teria tido a emissora a intenção de impedir que qualquer outro fato espetacular concorresse com a matéria do dinheiro do dossiê?
Raimundo não deixa dúvida quanto ao que ele, com base em fontes não identificadas da Globo, acredita ser a resposta.
A Carta Capital enviou ao diretor-executivo de jornalismo da emissora, Ali Kamel, um questionário com 10 perguntas sobre o assunto. Ele respondeu com um texto único em que fala da alegria dos jornalistas da Globo com o ‘alto grau de isenção’ da sua cobertura eleitoral, terminando com os parabéns do presidente Lula pelo seu ‘trabalho isento’.
Já a editora-executiva da Folha, Eleonora de Lucena, escreve Raimundo, ‘não quis responder por que omitiu as informações dessa fita [o áudio com Bruno], a nosso ver tão relevantes’. Aparentemente, o repórter se dispensou de procurar a chefia da redação do Estado.
Enquanto esses órgãos de mídia não provarem o contrário, a sua posição é insustentável.
A propósito, volto à minha previsão de 12 dias atrás de que ‘a mídia vai deixar baratinho, baratinho a verdade sobre o vazamento das fotos da dinheirama’.
Porque se produziu no noticiário deste fim de semana um típico episódio de dois pesos e duas medidas.
Ontem e hoje, pelo menos um um importante blog e um grande jornal repercutiram, como se diz, matéria da nova edição da Veja, segundo a qual ‘nas últimas semanas, uma operação abafa foi deflagrada para tentar apagar as chamas mais destruidoras levantadas pelo escândalo da compra do dossiê. Nessa operação aparece o que pode ser a impressão digital de um personagem muito próximo do presidente Lula. Esse personagem é Freud Godoy, ex-segurança pessoal de Lula e que até sua demissão, há quase um mês, ocupava o cargo de assessor especial do presidente.’
A matéria afirma ainda que ‘a operação faxina do dossiêgate contou com a colaboração jurídica do ministro Márcio Thomaz Bastos (sempre ele), da mãozinha financeira do tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, e da força bruta de um cidadão até agora distante do caso: José Carlos Espinoza – como Freud, um grandalhão que trabalhou como segurança de Lula e ganhou um emprego no governo.’
Tudo muito bom, tudo muito bem em ecoar a reportagem e apresentar o ‘outro lado’, que a desmente. Mas por que – ouso perguntar com santa ingenuidade – nem uma única, mísera linha sobre a reportagem de Raimundo Pereira?
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