A julgar pela matéria de 1.300 palavras que lhe dedica o New York Times de hoje, com base numa entrevista de 75 minutos que concedeu ao seu novo correspondente no Brasil, Alexei Barrioneuvo, o presidente Lula parece ter razão em preferir à imprensa estrangeira à nacional. [Leia, a propósito, artigo de sexta-feira neste blog em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id=
{F2BB2D30-52E5-4A89-8ADA-B6608F623778}&id_blog=3 ].
O título da reportagem, em tradução literal, é ‘Um líder resiliente trombeteia potencial do Brasil em agricultura e biocombustíveis’ [resiliência é um termo da física; equivale, em linguagem corrente, à capacidade de dar a volta por cima].
Ao recebê-lo, escreve Barrionuevo, Lula ‘era só alto astral, e com bom motivo’ – e seguem-se os dados sobre a popularidade do presidente e o desempenho da economia.
Pena que a entrevista não tenha sido publicada sob a forma de pingue-pongue para que se pudessem conhecer, uma a uma, as perguntas do entrevistador – que deve interessar a um observador de mídia mais do que as respostas.
De todo modo, o que leva a crer que a matéria deve ter alegrado Lula bem mais do que as que saem a seu respeito na imprensa nacional é uma omissão.
Em dado momento, o repórter registra, em tom de oba-oba, que aquela era ‘a primeira discussão extensa [do presidente] com um jornalista americano desde 2004’.
Essa passagem destampa um problema do presidente com um jornalista americano que o seu colega evitou levantar: a imperdoável tentativa do governo – que só não se consumou graças ao bom-senso e à sensibilidade política do então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos -de não renovar o visto de permanência no Brasil do veterano antecessor de Barrionuevo, Larry Rohter.
Naquele mesmo ano de 2004, em 9 de maio, o NYT noticiou, em matéria assinada por Rohter, que o gosto de Lula pela bebida tinha se tornado uma preocupação nacional. À parte méritos ou deméritos da história, a verdade é que Rohter tentou ouvir o presidente antes de despachar o seu texto. Não foi recebido, nem por ele, nem por nenhum dos seus assessores mais próximos.
Até por se gabar de ser o primeiro repórter americano em três anos a entrevistar Lula longamente, a omissão da represália ensaiada pelo entrevistado contra o então correspondente depõe contra Barrionuevo. Mesmo que não exumasse o assunto na entrevista, por serem águas passadas no contexto da pauta que o levou ao Planalto, mencioná-lo no texto era mandatório.
No mais, embora passe pelo apagão aéreo e pelo mensalão – dando a Lula a oportunidade de repetir que não tem nenhuma idéia do que fazem as ‘centenas de funcionários à minha volta’ e de anunciar, pela primeira vez, salvo engano, que descrê das acusações contra José Dirceu – o resultado da entrevista, como se ironizava nas redações nos velhos tempos, é ‘corajosamente a favor’ do presidente.
[A reportagem pode ser lida, em português, em diversos sites brasileiros.]
Além disso, o trabalho contém um erro crasso. Escreve o representante do Times – cujo zelo declarado pela informação precisa é proverbial – que o Supremo decidiu abrir processo contra ’40 membros do partido político do presidente’. Os processados são 40, sim. Mas os petistas são apenas 10, incluíndo o ex-tesoureiro Delúbio Soares, expulso da agremiação.
P.S. Nem ovo, nem galinha
Sob o título ‘O ovo ou a galinha’, o Estado publica hoje uma carta breve e contundente do leitor Fernando Ferreira, de Batatais.
Ele pergunta se ‘é o Estado que doutrina os seus leitores ou são eles que direcionam [sic] o jornal’.
Naturalmente, ele fazia referência à uniformidade das cartas que o jornal publica, só de raro em raro quebrada por uma discordância com a posição da casa. Não costuma ser assim, ou tanto assim, nos outros grandes jornais.
Dando ao jornal o benefício da dúvida, descarte-se a hipótese de que a direção mande engavetar a grande maioria das críticas recebidas.
Descarte-se também a idéia de que os leitores ‘direcionam’ a opinião do jornal. Se há um órgão de mídia cujos responsáveis por suas posições fazem praça de não serem ‘direcionados’ por quem quer que seja, é – desde sempre – o Estadão. Eles se consideram, literalmente, donos de suas verdades.
Por fim, não é que, em regra, o Estado doutrine os seus leitores. Provavelmente a maioria deles é que já chega doutrinada, por assim dizer. Lêem o jornal também porque sabem que nos seus editoriais e colunas assinadas encontrarão, salvo raríssimas exceções, o que esperam: corroboração para os seus pontos de vista.
Em matéria de posições, o Estado desgosta da diversidade em suas páginas. Ano passado, num discurso, o diretor de Opinião, Ruy Mesquita, foi claro, ao enveredar pela contramão dos critérios da imprensa nos países democráticos:
‘Não se trata de forçar a falsa convivência, no mesmo espaço, de opiniões contraditórias, como querem os que visam apenas a diluir a resistência [à concentração da propriedade no setor de comunicação] dos que ainda lutam para oferecê-la, mas sim de voltar a fomentar a oferta de múltiplos espaços para abrigar a expressão da diversidade de ideais e de opiniões…’
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