Não dá outra. Diante de um texto sobre assunto que lhe interesse, poderá perder os caraminguás gastos na compra do jornal ou revista o leitor que não for até a última linha da história.
Tome-se o caso da matéria da Folha deste domingo sobre uma pesquisa do instituto da casa, o Datafolha. Trata dos atributos que presumivelmente contarão na hora do voto para o próximo presidente da República, em 2010.
O jornal não informa se os atributos foram mencionados por iniciativa dos entrevistados ou constavam de uma lista pronta para que fizessem as suas escolhas.
Seja como for, deu que os traços considerados essenciais para um candidato são “nunca ter se envolvido em casos de corrupção” (91%) e “ter experiência administrativa” (83%).
Bem abaixo, na casa de 30%, aparecem “ser religioso” e “ser casado”.
O resto é o resto. Treze por cento dos eleitores preferem um candidato pobre. Seis, um rico. E o sexo, tanto faz. Dezesseis por cento gostariam de uma presidenta (como se refere à própria condição a argentina Cristina Kirchner), 15% um presidente.
“Eleitor está cada vez mais atento à corrupção”, é o título da matéria. “Percentual do eleitorado que avalia a honestidade muito importante num presidenciável passou de 88% para 91% de
Será que uma variação de 3 pontos, possivelmente no limite da margem de erro da sondagem (que o jornal se dispensou de informar), merece todo esse auê? Ou o adjetivo “contundente” aplicado aos números pelo diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino?
Devagar com o andor. Contundente não é o aumento da importância dada pelos brasileiros em relação à honestidade. É a perda de peso do fator religiosidade (em 2001, metade dos eleitores queria um presidente religioso; em 2007, menos de um 1/3 ligavam para isso). Na mesma direção, em 2001, 41% destacavam o casamento como pré-requisito ao Planalto; em 2007, o estado civil dos presidenciáveis interessava a apenas 30%.
Agora, só chegando ao fim do texto, o leitor será provocado a pensar que o valor do quesito honestidade é mais relativo do que faz crer o título, o sub e o tom geral da matéria.
É quando entra em cena o cientista político Alberto Almeida, identificado apenas como autor do livro “A cabeça do brasileiro”. Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal Fluminense, ele estuda eleições e opinião pública.
Para ele, “em disputas em que a reeleição está em jogo, como foi a de Lula em 2006, o eleitor está mais atento às realizações do governo. Naquele ano, o eleitor avaliou positivamente o governo Lula, não deu tanta importância para escândalos como o mensalão, e o reelegeu. Em eleições normais, como será a de 2010, o fator pessoal tende a ter peso maior.”
P.S.
Se o levantamento do Datafolha serve de indicador, o esvaziamento da importância da religião e do estado civil dos candidatos é uma boa notícia para a ministra Dilma Rousseff – caso ela vier mesmo a ser o nome petista para a sucessão de Lula.
Dos sete presidenciáveis “fichados” pela Folha – Serra, Ciro, Heloísa, Aécio, Marta, Jobim e ela – a titular da Casa Civil é a única “agnóstica” (todos os outros são católicos). E ela já foi, mas não é casada (Aécio é a outra exceção nesse departamento).
Em outros tempos, por ser mulher, separada e descrente, Dilma seria carta fora do baralho antes de o jogo começar.