O Globo de hoje acertou no alvo ao dar em manchete a acintosa nota assinada pelo comandante do Exército, general-de-carteirada Francisco de Albuquerque, a propósito dos 42 anos do golpe de Primeiro de Abril – que, em outros tempos, o mesmo Globo e a grande imprensa em geral chamavam de Revolução Redentora de 31 de Março.
Único dos principais jornais a fazê-lo, o Globo, além de dar amplo espaço ao assunto, destacou em título forte de primeira página, ‘Comandante exalta golpe de 1964 e ministro reage’, o contraste entre a apologia da ditadura – por parte de um militar de quem se pode dizer, como dos Bourbon na França, que nada aprendeu nem nada esqueceu – e a pronta resposta de uma vítima de primeira hora do regime, o novo ministro da Defesa, Waldir Pires.
‘Algumas coisas nunca mais! Equívocos fazem parte da História’, rebateu em entrevista o ministro, de 79 anos. Em 1964, consultor-geral da República no governo João Goulart, foi perseguido e privado dos seus direitos políticos. Passou oito anos no exílio. Foi governador da Bahia uma vez. Não foi duas vezes por conta da inutilmente denunciada tunga eleitoral que instalou Antonio Carlos Magalhães no governo do Estado. Filiado ao PT desde 1999, era até anteontem ministro-chefe da Controladoria Geral da União.
Por uma dessas ironias da história, Pires assumiu a Defesa no mesmo dia em que Albuquerque escreveu ou mandou escrever que ‘esse Exército orgulha-se do passado porque nele os valores e postulados da instituição, que se confundem com os da própria nação brasileira, nasceram e se confundiram.’
Deturpando os valores e postulados originais da instituição, os golpistas derrubaram um presidente legítimo – ‘não pelos seus defeitos, mas por suas virtudes’, como observou oportunamente o seu ministro do Trabalho, Almino Affonso, em imperdível entrevista publicada no Valor de ontem sobre o comportamento do seu chefe naqueles dias tenebrosos.
Cassaram mandatos igualmente legítimos, tiraram direitos políticos a torto e a diretio, aposentaram compulsoriamente muitos dos melhores professores e pesquisadores da universidade brasileira, censuraram, prenderam, torturaram e mataram.
No fim, em 1985, o último dos generais-presidentes, João Figueiredo, saiu pela porta dos fundos do Planalto. Pediu para que o esquecessem.
Mas não se pode, nem se deve esquecer o que foram os 21 anos da ditadura que o general, perdendo uma oportunidade histórica de ficar calado, resolveu enaltecer.
Num ponto, porém, ele tem absoluta razão – embora pelos motivos opostos aos que o levaram a escrever, ou mandar escrever, que a memória do ’31 de Março […] alicerça, em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional’.
Sim, é dever nacional – para que nunca mais os brasileiros passem pelo que passaram sob o tacão do regime de força do qual Albuquerque parece tão saudoso.
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