Em matéria de agronegócio, o Brasil coleciona recordes. Somos o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, utilizando menos de 1% das áreas agricultáveis para o plantio (4,5 milhões de hectares), de onde tiramos açúcar, álcool e energia. A excelência do Brasil na agroenergia é elogiada no mundo inteiro e já foi destacada por grandes veículos da mídia internacional como The Economist, Financial Times e The New York Times. Da mesma forma, o Brasil é campeão na produção de soja, de café, de suco de laranja, de carnes.
Energia limpa e renovável, o etanol virou uma grande opção para reduzir os efeitos do aquecimento global e a dependência do mundo dos combustíveis fósseis.
No Brasil, o setor sucroalcooleiro está a pleno vapor, na tentativa de vencer as demandas internas e externas por álcool. No ano passado, 78% dos automóveis vendidos pelo Brasil eram flex-fuel. A frota brasileira de flex hoje representa 12% do total de automóveis que rodam no país. Em 2013, segundo projeções da Associação Brasileira de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os flex serão 52% do total da frota, um crescimento fantástico de 500%.
Para atender esta demanda, o Brasil terá que dobrar sua produção de etanol dos atuais 17,5 milhões de litros para 34 milhões de litros. Até 2012, devem ser construídas mais de 73 usinas por todo o Brasil, sendo a maior parte em São Paulo.
Atualmente, existem 336 unidades no país, a maioria em São Paulo (170). O Brasil vai ganhar em média uma usina de álcool e açúcar por mês nos próximos seis anos. As exportações continuam firmes, principalmente para os EUA. Em 2006, as vendas externas de açúcar do Brasil somaram US$ 6,2 bilhões – incremento de 57,4% em relação a 2005. Os embarques de álcool alcançaram US$ 1,6 bilhão, contra US$ 765,5 milhões do período anterior.
Os números comprovam a excelência da indústria de açúcar e de álcool, assim como ocorre em várias outras áreas do agronegócio brasileiro.
Por tudo isto já está mais do que na hora de o agronegócio começar a tirar os esqueletos do armário e adotar uma política socialmente justa e ambientalmente correta em toda a sua cadeia produtiva.
A Folha deste domingo mostra que os cortadores de cana não participam do sucesso da agroenergia brasileira. Pelo contrário. ‘O novo ciclo da cana-de-açúcar está impondo uma rotina aos cortadores de cana que, para alguns estudiosos, equipara sua vida útil de trabalho à dos escravos’, diz o jornalista Mauro Zafalon.
Ora, quem se orgulha de produzir uma energia limpa e renovável e transforma isto em um exemplo para o mundo não pode se valer de condicões precárias de trabalho no campo.
Oferecer condições dignas de trabalho a seus empregados é uma obrigação social e ética. E também é uma condição de sobrevivência para qualquer negócio no mercado internacional. Os consumidores lá fora querem saber hoje a procedência dos produtos que estão comprando, de que forma são fabricados, quem os produz, se no processo de produção há danos ao ambiente, entre outras exigências.
Isto já ocorre com a carne bovina, segundo Richard Brown, diretor da consultoria sueca Gira, que esteve em São Paulo na semana passada para o Congresso Internacional da Carne.
Embora seja hoje o maior exportador de carne bovina do mundo, o Brasil corre alguns riscos nesta área, advertiu Brown. ‘A América do Sul ocupará cada vez mais espaço no mercado europeu de carnes por conta de seu baixo custo de produção, mas os europeus tentarão compensar a baixa competitividade da pecuária local apontando pontos fracos do produto sul-americano, como questões sanitárias, ambientais, a falta de padronização dos cortes e a rastreabilidade precária.’
Para Brown, O Brasil tem uma cultura de ser um país enorme, com áreas enormes de pastagens e uma produção enorme. Mas ainda precisa ter uma mentalidade exportadora, que leve mais em conta a qualidade.
“Vocês são muito mais competitivos do que nós (europeus). Mas há muitos pontos (na cadeia produtiva da carne brasileira) que podem ser alvo do críticas na Europa”, afirmou, ao exibir uma fotografia da Amazônia em chamas retirada do site da ONG Greenpeace junto com a informação de que 60% do desmatamento da floresta seria destinado à pecuária.
É um dado exagerado, sem dúvida, mas onde há fumaça há fogo. Diante de uma platéia surpresa, Brown concluiu: “Não tenho idéia se isso é verdade ou não. O fato é que isso reflete a visão que a Europa tem da carne brasileira.”
Quem tem esqueleto no armário sempre corre o risco de vê-los expostos em praça pública.