A rigor, o duro editorial da Folha de hoje – ‘Bolsa mesada’ – contra a extensão do Bolsa Família a jovens de 16 e 17 anos era dispensável.
A matéria de ontem a respeito já dava conta do recado que o jornal queria passar.
Estava no título:
‘Bolsa Família cresce e alcança 1,7 mi de potenciais eleitores’.
Estava no sub-título:
‘A sete meses da eleição, benefício é estendido a jovens de 16 e 17 anos, que podem votar’.
Estava na abertura do texto:
‘A menos de sete meses das eleições municipais, marcadas para outubro, o governo iniciou ontem o pagamento do Bolsa Família para jovens de 16 e 17 anos, num limite de dois por família. No Brasil, o voto é facultativo entre 16 e 18 anos.’
E estava no infográfico mostrando, de um lado, um mapa da votação de Lula em 2006; de outro, um mapa do atendimento do Bolsa Família.
Juntando tudo, as legendas emendadas por reticências:
‘Estados onde Lula teve entre 44% e 80% dos votos válidos no 1º turno de 2006… …coincidiam com Estados onde 26,1% a 50% dos habitantes viviam em domícilios atendidos pelo Bolsa Família’.
O que decerto induz o leitor a concluir que o Bolsa Família foi criado para reeeleger o presidente – e que o seu desdobramento se destina a reeleger prefeitos e vereadores alinhados com o presidente.
É o tipo da arbitrariedade tão comum no jornalismo como a tinta de impressão que suja as mãos do leitor: transformar uma correlação em causação.
A correlação expressa no infográfico é o óbvio ululante de que falava Nelson Rodrigues: tal seria que nos Estados onde é maior o contingente de habitantes/eleitores abaixo da linha da pobreza, onde maior também, portanto, a população alcançada pelo programa de transferência de renda, o vencedor da disputa pelo Planalto fosse Geraldo Alckmin ou qualquer outros dos menos votados no país inteiro.
Já a causação não é evidente por si mesma. Precisa provar de alguma forma que o governo tomou a intenção de desencadear o programa essencialmente por razões eleitorais.
Ou, por outra: a associação entre dois eventos não é o mesmo que uma relação de causa e efeito entre eles.
[Veja, a propósito, a nota “Os jacus, as garças e as notícias”, de 19 de setembro passado.]
O argumento do governo para a extensão do Bolsa Família – reduzir a evasão escolar na passagem do ensino fundamental para o médio – foi aceito pelo último grande jornal brasileiro que se possa acusar de lulismo: o Estadão.
‘Bolsa-Família vai até 17 anos para conter evasão’, se lê no título da respectiva matéria na edição de ontem.
‘A medida, que eleva o repasse do programa em R$ 34,7 milhões por mês, visa a tentar controlar o abandono escolar acima dos 15 anos, idade em que o Bolsa-Família terminava’, se lê no primeiro parágrafo.
Na Folha, o argumento também aparece – no último dos 15 parágrafos da reportagem. Só ali o pobre eleitor tem acesso ao outro lado da história:
‘De acordo com o Ministério da Educação, 18% dos adolescentes entre 16 e 17 anos estão fora da escola. ‘A idéia é manter os jovens na escola ou trazê-los de volta à escola’, diz André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade da Pasta.’
No editorial, a Folha considera ‘afrontosos’ e ‘irrelevantes’ os argumentos do governo de que o número de domicílios agraciados não se ampliou e o benefício não será pago ‘aos jovens eleitores [sic], mas a seus pais’.
De resto, não se limita a isso a animosidade do jornal ao ‘donativo’ concedido por Lula, ‘de olho no desempenho eleitoral de seu partido e aliados’.
O texto sugere que a idéia de prorrogar a permanência do aluno na escola é uma justificativa pobre para a ‘mesada’:
‘Apenas receber o estipêndio pouco influi no aprendizado e na qualificação dos jovens, pois isso depende mais da capacidade da escola de dotá-los de aptidões úteis.’
Se assim é, tanto faz se o jovem pobre continua estudando, ou se desiste para ajudar no sustento da família – uma das principais causas da evasão escolar ao fim do ciclo fundamental.
De novo não há elementos objetivos para sustentar o raciocínio. Mas isso nunca impediu um órgão de imprensa no Brasil de dar a sua opinião à revelia ou na contramão dos fatos.